Inflação, deflação, e mais do mesmo

O que mais tenho discutido nos últimos post, por aqui, é a absurda interferência dos Bancos Centrais no mercado. Quando escrevo esse artigo acabo de ver a notícia de que o Banco Central Europeu vai entrar com mais 650 bilhões de Euros para comprar Bonds na Europa, totalizando por enquanto 1.3 Trilhões de Euros de injeção monetária nos últimos 3 meses de crise. Um dia a conta de tudo isso vai chegar, não duvidem disso, e quem vai pagar é sempre a mesma pessoa: o pagador de impostos, que faz toda essa burocracia funcionar.

Ninguém duvida do quanto os bancos centrais estão "inflando" agressivamente a base monetária fiduciária. Desde 2008, a reserva federal dos EUA expandiu seu balanço de US$ 0,8 Trilhões para os atuais US$ 7,1 Trilhões, e já se fala que em breve estará na casa dos US$ 10 trilhões. Isso significa que "inflaram" essa oferta monetária de moeda fiduciária em 21,9% anualmente durante o período de 11 anos.

Por que não temos uma inflação no CPI, que é a medida oficial usada pelo governo americano para falar disso?

Essa resposta é relativamente fácil de ser dada: não temos inflação pois o dinheiro impresso foi gasto para comprar ativos financeiros, e não caiu ainda na economia de fato. Os títulos são comprados no mercado aberto e o dinheiro recém-impresso é jogado, segundo o Fed, na "economia livre e aberta". Mas isso não chega diretamente ao povão, tem que passar pelos bancos (primary dealers), e lá a coisa fica presa por algum tempo. Aliás, por muito tempo em alguns casos. 

O problema disso é que, no final das contas, o dinheiro vai direto para as mãos das pessoas que detêm ativos e apenas uma pequena - na verdade, minúscula - quantidade cai nas faixas de baixa renda da economia, onde existe a maioria da população (em termos percentuais). Como a parte rica da população continua se beneficiando desse processo de inserção de dinheiro recém-impresso no sistema, seu patrimônio líquido continua a crescer e eles obtêm o primeiro acesso para alocar o capital em ativos ainda mais vantajosos que ganham mais dinheiro.

Você não encontrará inflação no CPI porque o dinheiro recém-impresso está se aninhando em ativos financeiros, oferecendo cada vez mais capitalização de mercado.

E a deflação?

Quando a oferta monetária de uma economia é manipulada de maneira inflacionária, incentiva o investimento agressivo por parte de quem já tem um bom dinheiro guardado para investir. Isso ocorre porque, se o dinheiro for simplesmente retido, seu valor continuará se deteriorando com o tempo. Mas se for investido, ele pode potencialmente superar a degradação do seu valor.

Nos anos e décadas de uma expansão da moeda fiduciária inflacionária profundamente manipulada, na verdade isso criou preços deflacionários para alguns bens e serviços. Lembre-se de que o dinheiro recém-impresso está aumentando a quantidade de oferta de compras de ativos, e isso significa que a diferença entre ricos e pobres aumentará. Se a maioria da população não puder comprar bens e serviços (porque a porcentagem de pobres está aumentando a cada dia), a demanda por bens e serviços diminui. Se a demanda por bens e serviços diminuir, o preço deverá segui-lo: dai a deflação em termos gerais.

Porém o oposto é verdadeiro para bens e serviços que são absolutamente essenciais à vida, como saúde, alimentação e educação. Veja o gráfico a seguir - ele explica tudo isso, mostrando claramente como esses item estão bem mais caros hoje do que há alguns anos atrás. 


 
Estamos vendo a deflação de preços de bens e serviços não essenciais, enquanto ocorre uma inflação importante de preços em bens e serviços essenciais (saúde e alimentação principalmente). Neste ano, por exemplo, meu seguro saúde acaba de ser reajustado em 11%, contra um CPI de 2.5%. 

Estamos vendo , portanto, uma inflação muito alta de títulos e ações devido ao governo que manipulou sem desculpas esses mercados. Mas por que o FED está fazendo isso? Porque eles simplesmente não tem mais o que fazer para conter uma derrocada do sistema que atualmente está existindo nos mercados de títulos.

No momento, o dinheiro que eles estão imprimindo e inserindo no sistema (de maneira não homogênea) claramente não está chegando às massas. É por isso que a velocidade do dinheiro continua a diminuir no sistema. Observe em vermelho no gráfico a impressão de moeda subindo ao mesmo tempo que a velocidade do M2 vem diminuindo (em azul)


 
É por isso que o governo agora está fazendo depósitos diretos aos cidadãos. Isso já não é coisa do Fed, mas sim do Tesouro dos EUA. E em breve iremos discutir algo que amedronta qualquer libertário: a tal da renda básica universal (UBI - universal basic income). Quando chegarmos nisso podem ter certeza que o capitalismo vai estar com o dia contato (capitalismo da foma como conhecemos hoje, é claro). Imaginem todos nos EUA terem garantido um salário sem ter que necessariamente trabalhar. 

O que os governantes perceberam é que a população está começando a ficar disposta a ir para as ruas protestar contra muita coisa, inclusive contra a desigualdade financeira. E não é a toa que estão imprindo cheques e enviando a população. Caso contrário, pensam eles, mais agitação civil vai vir por ai, e pode ficar fora de controle.

A maioria das pessoas não tem dinheiro suficiente para pagar suas necessidades básicas hoje em dia, seja porque não tem condições de emprego suficiente ou porque fizeram dívidas demais, atrás do "sonho americano" de consumo e moradia. A longo prazo, o UBI tem seus problemas, assim como o QE (compras de ativos por parte do Fed). Mas não se engane, o motor já está sem óleo e as engrenagens estão quebrando.

Tudo o que está sendo feito é uma correção de curto prazo para uma espiral sem fim de impressão fiduciária. Lá pra frente não tem como isso não gerar uma inflação que pode sair do controle, principalmente num pais não acostumado a quadros sociais como o que estamos vivendo hoje em dia.

As pessoas que protestam pacificamente nas ruas têm todo o direito de se sentirem com raiva do assassinato de George Floyd. E aqui não vou entrar na parte politica dos protestos, pois também tem muita morte do lado da policia, que procura fazer seu trabalho mas é recebida a bala em muitos lugares. Mas acho que é ainda maior e mais profundo que isso o que estamos vendo nas ruas: os saques são por parte de bandidos aproveitadores de situações, mas também estamos vendo muita gente do povo em geral se aproveitando da situação para levar para casa comida e roupa, e pode ter certeza que isso já é uma primeira amostra do que poderemos ter pela frente nos próximos anos. Injustiça e desigualdade social extrema não costuma ser uma receita de sucesso de longo prazo em nenhum pais.

Veja o gráfico abaixo, que mostra a enorme desigualdade financeira que temos hoje nos EUA, onde 1% da população mais rica tem cerca de 30% do total de avitos do pais.

Para mim a coisa nunca vai ser equilibrada, e não podemos esperar de forma ingênua que em algum dia o mundo vai ser um lugar onde todos tenham um equilibrio nas contas financeiras. Tem gente que vai ganhar mais, e tem gente que vai ganhar menos, sempre. O problema é quando a classe mais rica não tem mais a ambição de produzir e de empreender, porque está mais fácil cuidar do dinheiro que os amigos do rei imprimem. Empreender envolve riscos imensos, e quando os mais ricos cansam de fazer isso não é bom pra ninguém. E vão estar mais e mais cansados quanto maior for o risco que estarão correndo. 

O que vimos nos últimos anos foram empresas inflando artificialmente os preços de suas ações simplesmente comprando de volta os papéis com dinheiro barato emitido pelos bancos centrais. Pararam de inovar, de produzir produtos e serviços para gerar mais empregos e melhorar os salários dos seus funcionários. E isso a longo prazo é muito ruim.

O que o Fed está plantando hoje vai florecer, brotar e crescer. Cuidado que isso pode ser um monstro terrível, que vai consumir muito da riqueza que foi gerada nos últimos anos. Todo investidor hoje deve estar atento para isso, principalmente num momento onde parece que tudo de pior na crise do Covid19 já ficou para trás. 

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