📃Liquidez e Solvência, Banco Central e Federico Buono

A história da humanidade sempre foi escrita por muitas figuras, umas boas, outras nem tão boas assim, outras péssimas. Todas elas tem o seu papel na memória do historiador, mas nem sempre nos deparamos com um ponto importante da história: a mudança do comportamento de alguns atores - antes considerados como bons - para o lado do mal. Aquele que começa a traçar os rumos da história no lado bozinho da coisa, para depois caminhar a passos largos para o lado do mal, as vezes é aclamado como o salvador da pátria, e se muda de comportamento no meio do trajeto as vezes não tem o seu real reparo nas penas do historiador. Para mim vários burocratas do governo estão nesse grupo, principalmente os que tem a pele de cordeiro e que gerenciam as normas dos diversos bancos centrais ao redor do mundo.

Depois da 2ª grande guerra mundial o mundo para mim deu uma acordada e falou: “acho que exageramos no número de mortes dessa guerra”. A criação da ONU e de todas as outras agências oficiais ligadas a ela ou não (Organização Mundial de Saúde, Comércio, Fome, e por ai vai) foi um claro sinal de mea culpa dos ganhadores da guerra, para mostrar que poderiam ainda ser bonzinhos e a fim de ajudar o resto do mundo, que estava na pior. Não foi a toa a escolha de Nova Iorque para cidade sede, podem contar com isso. Afinal, vamos deixar toda essa idéia centralizada estruturalmente na maior cidade do maior ganhador da guerra, não é mesmo? Assim vamos passar a idéia de que estamos querendo mesmo não explodir uma outra bomba atômica em lugar algum do planeta.

A partir daqueles idos de 1945-1950 também foram se expandindo os burocratas de todas as raças, por meio da criação de cargos duvidosos (tem o coordenador da fome no mundo, da saúde no mundo, etc), e isso não parou mais em nenhum pais. O padrão-ouro foi reforçado na economia e os EUA caminhavam para se transformar na maior nação do planeta, e por aqui também os burocratas dominavam a coisa. E parecia que tudo corria bem, o mundo crescia, tinha lá os seus percaços, mas ninguém duvida que foi feito um grande progresso desde aquela sangria toda da década de 40.

Como o foco da nossa conversa por aqui sempre cai no lado da economia, eu vou poupar o leitor hoje dos meus comentários mais ligados a politicos, se bem que vou mencionar alguma coisa nesse sentido no avançar do texto. O meu objetivo principal hoje desse artigo é tratar do burocrata disfarçado de bonzinho, que finge cuidar bem do seu dinheiro. E queria falar mais espeficamente dos burocratas do Federal Reserve, o Banco Central americano, englobando outros do gênero.

Como nasceu o Fed e porque ele existe até hoje

 Banco central é o termo usado para descrever a autoridade responsável pelas políticas que afetam a oferta de dinheiro e crédito de um país. Mais especificamente, um banco central usa suas ferramentas de política monetária - operações de mercado aberto, empréstimos com descontos, mudanças nas exigências de reservas - para afetar as taxas de juros de curto prazo e a base monetária (moeda mantida pelo público mais reservas bancárias) e para alcançar importantes objetivos políticos.

Fonte: https://www.clevelandfed.org/

Esse é uma das definições mais sucintas que podemos fazer de um Banco Central. Parece muito bonita, não é mesmo? Fala sobre austeridade, passam a idéia de uma preocupação imensa com o dinheiro do povo, mostra que tem ferramentas precisas para combater problemas econômicos assim que surgem, afinal, traz no seu objetivo tudo aquilo que uma sociedade espera dos seus burocratas e políticos: a sensação de conforto para horas difíceis, não é mesmo? Mas é aí que mora o problema. Principalmente na última parte do parágrafo: “para alcançar importantes objetivos políticos”.

Nunca se esqueça disso, nunca, jamais: o Fed e outros Bancos Centrais existem para resolver problemas políticos, não para resolver o seu problema quando você perde o emprego ou está atolado em dívidas. Quando você aceitar isso com calma e serenidade para você mesmo vai ficar mais fácil entender tudo que se passa no Fed, quando alguma decisão parece absurdamente desconectada da realidade.

Os burocratas da nata dos Bancos Centrais, no Fed, estão lá para resolverem os problemas DELES, não o seu, e farão de tudo para não serem condenados como os caras que não fizeram o que tinha que fazer quando era a vez deles de estar por lá. Foi assim com Paul Voker (1979 – 1897), Alan Greenspan (1987 – 2006), Ben Bernanke (2006-2014), Janet Yellen (2014-2018) e será assim com Jerome Powell, o atual, somente para lembrar dos mais recentes. Jerome Powell é o 16º Chairman da história do Fed americano, como se conhece o Fed desde os seus primórdios.

O Fed foi iniciado pelo Congresso em 1913, depois que o presidente Woodrow Wilson assinou a Lei do Federal Reserve, apesar da história contemplar outros coordenadores financeiros antes disso. Porém, da forma como conhecemos o funcionamento do Fed hoje, com seus ramos e presidências regionais, ele assim atua desde 1935, quando a seção 203 da Lei Bancária mudou o nome do "Federal Reserve Board" para Conselho de Governadores do Sistema do Federal Reserve (Board of Governors of the Federal Reserve System).

Fonte: https://www.vox.com/2014/6/20/18079946/fed-vs-crisis

Os salários dos diretores eram significativamente mais baixos (US$ 12.000 quando nomeados pela primeira vez em 1914, por exemplo) e seus mandatos eram muito mais curtos antes de 1935. De fato, os membros do Federal Reserve Board em Washington, DC, eram significativamente menos poderosos que os presidentes dos bancos regionais do Federal Reserve antes de 1935. Na Lei de 1935, os chefes de distrito tiveram seus títulos alterados para "Presidente" (por exemplo, "Presidente do Federal Reserve Bank de St. Louis"). Vejam como os tentátulos políticos sempre levam a Washington DC, e quando a coisa começa a se definir por lá invariavalmente as pessoas ganham duas coisas: mais poder e mais dinheiro.

A partir dalí a coisa começou a melhorar um pouco em termos de salário - aquela ninharia de 12 mil dólares não daria pra fazer muita coisa, não é mesmo - até chegar nos tempos modernos, onde esses senhores podem se encaixar muito bem na figura do burocrata abastado.

O salário do presidente do Federal Reserve é definido pelo Congresso dos EUA. Para 2019, o salário anual do presidente do Fed é de US$ 203.500 (nada mal para um funcionário público, praticamente metade do salário do Presidente dos EUA. O salário anual dos outros governadores do Fed é de US $ 183.100. Os membros da Assembléia de Governadores, incluindo o Presidente, são nomeados pelo Presidente dos Estados Unidos e confirmados pelo Senado. O mandato completo de um governador é de 14 anos.

Discussões a parte sobre valores, o que é importante frisar aqui é que esse gente importantíssima que define muita coisa no mundo financeiro é um mero funcionário público, e como tal, deve guardar limites na sua atuação. Apesar da sua importância, não é um funcionário público eleito, e por isso depende de alguma coisa política para chegar no cargo, ou melhor, MUITA coisa política. E por isso é que os problemas aparecem a toda hora quando o assunto é política monetária e fiscal. Lembre-se dos primórdios e das funções do cargo, quando eu for falar sobre os problemas de hoje do Fed.

A principal razão pela qual o Fed foi criado foi para que o país tivesse um sistema financeiro monetário mais seguro e mais estável, porém flexível. As principais categorias de responsabilidades do Fed são:

  • Orientar a política monetária da América em uma direção favorável, influenciando as condições de dinheiro e crédito na economia dos EUA para obter pleno emprego e preços estáveis.
  • Gerenciar e regular bancos para garantir a segurança e a sustentabilidade do sistema bancário e financeiro do país, protegendo os direitos creditórios dos consumidores.
  • Restringir os riscos sistêmicos que podem ocorrer nos mercados financeiros.
  • Ser um fornecedor do governo dos EUA de certos serviços financeiros, instituições financeiras dos EUA e instituições estrangeiras.
  • Operar e supervisionar os sistemas de pagamentos do país.

Impecável no papel, não é mesmo? Mas muito tempo passou desde a sua criação, e hoje o Fed tem um único motivo principal para continuar existindo: sustentar uma economia mundial que vive as custas de dinheiro impresso ao vento, sem lastro, para continuar fazendo com que governos e paises continuem dentro de seus poderes de centralizar cada vez mais as decisões e a vida das pessoas.

Dinheiro gerado do nada, virtualmente, apertando uma tecla no computador

Foi assim que Jerome Powell, atual presidente do Fed, explicou ao jornalista Scott Pelley da CBS no programa 60 minutes que foi ao ar dia 18 de maio de 2020, como é fácil criar dinheiro do nada, se assim é a vontade do Fed. Esse programa é um dos mais assistidos da TV aberta aqui nos EUA, um tipo de Fantástico daqui, que aborda em 1 hora importantes tópicos da atualidade. Não é nada comum membros do Fed participarem de programas assim, pois eles normalmente não comentam nada via midia televisiva, para evitar especulações sobre políticas que possam estar trabalhando nos bastidores.

Todos nós do mundo financeiro já sabíamos que era assim a coisa, desde há muito tempo atrás (Ben Bernanke durante a crise financeira de 2008 já havia dito a mesma coisa no mesmo programa, somente para outros jornalista). Mas deixar claro assim, sem rodeios, no início de um crise global, realmente foi um pouco inesperado. E num domingo, onde a apenas 2 dias depois o Fed soltaria a sua tão famosa ata depois da última reunião ordinária.

Numa das partes desta ata – que você pode ler por completo clicando aqui – uma parte me chamou a atenção, e tem tudo a ver com o momento que passamos e com o que eu quero abordar neste texto: "Os participantes comentaram que, além de pesar bastante na atividade econômica no curto prazo, os efeitos econômicos da pandemia criaram uma quantidade extraordinária de incerteza e riscos consideráveis para a atividade econômica no médio prazo".

O detalhe é que em várias outras vezes o cenário de incerteza prevaleceu no texto, e dai me vem uma pergunta: já que a incerteza é o cenário, como os seus membros podem ter tanta certeza de que as ajudas que estão propondo vão dar certo no longo prazo? E ai vem a primeira característica importante do burocrata: ele não precisa ter certeza de nada para tomar medidas que as vezes prejudicam qualquer plano de longo prazo, pois ele está preocupado com o curto prazo, e com o emprego dele, em primeiro lugar. Quando o nível chega ao burocrata arrogante, então, aí o problema pode ficar pior.

Impressão recorde de dinheiro, para chegar aos bancos primeiro

O Fed não pode – por enquanto, pelo menos – emprestar dinheiro diretamente ao povo, para ajudar na pandemia. Isso precisa passar por algumas etapas, até para passar a impressão que a coisa é mais séria mesmo. Quando Jerome Powell aperta o seu teclado para criar do nada mais 2.5 Trilhões de dólares  - como foi feito recentemente - ele tem que dar uma desculpa que está comprando alguma coisa, no caso, Titulos do Tesouro Americano (UST – United States Treasuries). E ele compra de alguns bancos (não de todos, é claro, pois tem sempre os que são escolhidos, no caso, chamados carinhosamente de primary dealers – distribuidores primários).

Um primary dealer compra títulos diretamente de um governo, com a intenção de revendê-los a outros, atuando assim como formador de mercado de títulos do governo. Uma função importante, sem dúvida. Mas que obrigada o banco a manter conecções políticas, e quando o assunto é conexão política você já pode farejar o que vem pela frente.

O governo pode regular o comportamento e o número de seus principais revendedores e impor condições de entrada. Mais política. Alguns governos vendem seus valores mobiliários apenas para revendedores principais; alguns os vendem para outros também. Os governos que usam revendedores principais incluem Austrália, Bélgica, Brasil,  Canadá, China, França, Hong Kong, Índia, Itália, Japão, Cingapura, Espanha, Reino Unido e Estados Unidos.

Nos Estados Unidos, um negociante principal é um banco ou corretor de valores mobiliários que tem permissão para negociar diretamente com o Fed. Essas empresas são obrigadas a fazer lances ou ofertas quando o Fed realiza operações de mercado aberto, fornece informações à mesa de operações de mercado aberto do Fed e participa ativamente dos leilões de títulos do Tesouro dos EUA. Eles consultam o Tesouro dos EUA e o Fed sobre o financiamento do déficit orçamentário e a implementação da política monetária.

Um outro detalhe importante: muitos ex-funcionários de bancos que são primary dealers trabalham no Tesouro por causa de sua experiência nos mercados de dívida do governo. É por isso que o sistema público do Fed e o sistema privado dos bancos é tão atrelado, ficando até complicado saber separar o que é público e o que é privado, pela forma como eles atuam - com alguns poucos amigos, é claro. Somente nos EUA existem cerca de 4,000 bancos com seguro no FDIC (Federal Deposit Insurance Corporation) e somente 24 fazerm parte da lista VIP dos primary dealers.

As regulamentações que surgiram pós crise de 2008 estreitou as regras de alavancagem para os bancos, por exemplo, mas várias delas estão sendo afrouxadas agora pois o Fed preciso do primary dealer para fazer o dinheiro chegar na mão do povão.

O relacionamento entre o Fed e os revendedores principais é regido pela Lei dos Revendedores Primários de 1988 e pela política operacional do Fed "Administração de Relacionamentos com os Revendedores Primários". Os revendedores primários compram a grande maioria dos títulos do Tesouro dos EUA (T-Bills, T-notes e Bonds) vendidos em leilão e depois vão para o mercado segundário vender ao público. Suas atividades vão muito além do mercado de tesouraria.

Por exemplo, de acordo com o Wall Street Journal Europe (9/9/06 p. 20), todos os dez principais negociantes do mercado de câmbio também são negociantes principais e, entre eles, representam quase 73% do volume de negócios de câmbio. Os maiores são JP Morgan, Citigroup e Bank Of America. Indiscutivelmente, os membros deste grupo são as instituições não-governamentais mais influentes e poderosas nos mercados financeiros globais. A associação ao grupo muda lentamente, com a lista atual disponível no Fed de Nova York. A lista atual por ser vista abaixo:

Os principais revendedores formam uma rede mundial que distribui novas dívidas do governo dos EUA. Por exemplo, a Daiwa Securities e a Mizuho Securities distribuem a dívida aos compradores japoneses. O BNP Paribas, o Barclays, o Deutsche Bank e o RBS Greenwich Capital (uma divisão do Royal Bank of Scotland) distribuem a dívida aos compradores europeus. Goldman Sachs e Citigroup são responsáveis ​​por muitos compradores americanos. No entanto, a maioria dessas empresas compete internacionalmente e em todos os principais centros financeiros.

Em resposta à crise das hipotecas subprime e ao colapso do Bear Stearns, em 19 de março de 2008, o Federal Reserve estabeleceu o Primary Dealers Credit Facility (PDCF), no qual os revendedores primários podiam emprestar na janela de desconto do Fed usando várias formas de garantia incluindo empréstimos garantidos por hipotecas. O PDCF foi fechado em 1 de fevereiro de 2010, mas reaberto novamente com outros nomes, para ajudar no manejo da crise financeira atual.

Dos bancos para Main Street, e para o dinheiro jogado por helicóptero

Para conter a crise do Covid19 o Tesouro dos EUA, em leis aprovadas pelo congresso, fez também a sua parte e emitiu mais títulos da dívida para poder fazer com que esse dinheiro gerado do nada pelo Fed tenha pelo menos algum respaldo. Ele emite esses títulos de divida, e depois o dinheiro do Fed compra os titulos, via primary dealers, como já mostramos. Dai pra frente a coisa pode complicar um pouco.

Os banco, como toda entidade que faz parte de uma crise, também não está lá essas coisas na sua contabilidade. Afinal, com os juros baixos (Fed acabou de baixar para entre 0 e 0.25% a taxa base de referência) não tem como ganhar muito emprestando dinheiro para a população, e as os preços das suas ações já refletem isso. Serão também mais rigorosos na concessão destes empréstimos, por exemplo, e não era pra menos: o problema inicial numa crise começa pela liquidez, mas com grandes quedas na economia como a que estamos vivendo, o próximo problema das empresas pode ser a sua insolvência, já que muitas não vinham bem das pernas e estavam muito endividadas, mesmo antes do Covid19 aparecer.

Por isso é que o tesouro dos EUA resolveu partir para o helicopter money, nome dado por aqui quando o governo distribui dinheiro para a população sem a necessidade de nenhuma contrapartida.

Foram distribuidos nessa crise, na 1ª etapa de cheques enviados ao povo, US$ 1,200 de uma tacada só, para quem fosse elegivel a este recebimento (ricos, obviamente, não receberiam). O IRS informou em 8 de maio que já havia entregado esse dinheiro a cerca de 130 milhões de pessoas até aquela data, um evento mais uma vez inédito na história dos EUA.

Enquanto isso, Wall Street continua alegre e feliz, quase nem ligando para a crise. O SP500 fechou em 20 de maio de 2020 aos 2971 pontos, mesmo número de outurbro de 2019. Imagine se eu falasse para você, por exemplo, em outubro de 2019, que vc poderia ficar tranquilo com o seu dinheiro na bolsa em maio de 2020, pois mesmo com o desemprego subindo de 3.5% para 20% a bolsa estaria no mesmo patamar. Você acreditaria? Duvido. Mas, continuemos.

Mesmo com toda essa crise econômica que vivemos hoje, parece que a turma de Wall Street nem está vendo toda a sangria que temos na economia. Para vocês terem uma idéia, as maiores empresas de tecnologia da bolsa americana já valem mais do que o PIB da Alemanha e Itália juntos:

Isso mesmo: em valor de mercado atual, mesmo ainda no meio de uma pandemia que trancou a economia mundial quase que por completo, Facebook e Nvidia passaram de seus recordes históricos no valor das ações, Microsoft e Amazon já valem trilhões, e Apple continua na sua saga de nunca perder o rebolado quando o assunto é fazer buyback e subir de preço de suas ações. E todos continuar contentes em Wall Street. Será que um dia vão se assustar de novo? Enquanto o Fed estiver disposto a imprimir o que for preciso para salvar a todos, duvido. Mas vou dar uma pausa no texto sério para mostrar a vocês uma história bacana, inventada, que resolvi criara depois de olhar um post no Twitter. Como dizemos por aqui, enjoy.

 Uma analogia para entender o que o Fed vem fazendo, e porque a inflação vai ser um problema mais cedo ou mais tarde

Imagine que você vive na Italia antiga, na época onde mercadores viajavam de um canto a outro para fazer negócios. Apresento a vocês o  famoso Federico Buono, um italiano bem rico, bonachão, e muito bom de negócio - e de contatos, como não poderia ser diferente.

Federico já não precisa mais ganhar dinheiro para pagar as suas contas, tem de sobra – hoje ele vive de bate papo com os governantes das provincias do seu país, fazendo lobby e garantindo uma boa grana para o governante que precisar dela, numa hora de crise. Por isso, Federico circula livremente por muitos lugares, e é adorado pelo povo: qualquer um tem certeza de que Federico Buono estará por perto quando a coisa apertar.

Um dia, a pacata cidade de Pescatore, que vive basicamente da pesca e de outras vendas menores de produtores rurais, foi assolada por uma praga que afetou muito a vida das pessoas por lá, fazendo com que somente sobrasse a pesca para o pessoal dividir em termos de trabalho, por um periodo pequeno.

Agricultores e outros produtores rurais se esforçavam para aprender logo como se deveria enfrentar o mar para pescar, pois era a única coisa que ainda se conseguiria vender naquele ano. Poucas produções agrícolas ainda restavam, entre elas arroz e milho, e já dava para um gasto. Mas o que a turma queria era vender peixe no mercado, pois dava mais dinheiro, e aparentemente era fácil.

Não preciso nem dizer que isso foi uma alegria no começo e uma confusão depois, com encrenca pra tudo quanto é lado, e o mercado central começou a ter problemas: nem todo mundo que queria comprar arroz consegui isso do seu produtor mais conhecido, peixe sobrava e ninguém mais queria levar, e por ai vai.

Até que o Benevento di Paglia chegou. Esse era outro personagem já bem conhecido do povo, inteligente, conciliador, e começou a conversar com quem estava por lá. Discutiu com o pescador e explicou a história do agricultor a ele, lembrou de uma vez em que a filha do pesacador estava com problemas de saúde e quem ajudou foi o neto do agricultor (e que isso acabou em casamento), enfim, devolveu um pouco de civilidade a coisa. Até alguns trocados ele arrumou para o velho Giaccomo, aposentado que vivia pedindo esmola na porta do mercado. E tudo foi se acalamando naquele dia, e no ano seguinte a cidade já estava de volta ao normal.

Mas como tudo de bom um dia acaba, logo após isso a cidade recebeu a notícia da morte de Benevento, subitamente atacado por uma praga que tinha contraido numa viagem a Espanha, e morreu por lá mesmo. E todos sentiram muita falta dele quando veio uma nova calamidade na cidade de Pescatore, agora assolando os pescadores.

Passando pela cidade, e sabendo da história anterior do mercado que teve como grande lider o falecido Benevento, Federico tentou dar uma solução mais prática quando o mercado estava em alvoroço. Subiu no segundo andar, de onde poderia falar a todos, e soltou a mensagem que todos queriam ouvir: “Povo de Pescatore, não se preocupem se por aqui vocês não tiverem compradores para os seus produtos. Saiam e produzam. Se precisar comprar qualquer coisa, eu comprarei com o meu dinheiro, se for preciso, pois tenho de sobra e isso não vai me faltar”.

Imaginem a alegria do povo. Quem tinha 1 quilo de arroz nem vendeu mais o que tinha, deu de cara aquilo para o pescador. Outros seguiram o passo do produtor de arroz, e naquele dia a coisa ficou tranquila.

Todos voltaram a suas casas e produziram felizes tudo que tinham condição de produzir, mesmo que fosse pouco - afinal, comprador não faltaria, e por um preço bom. Com muito suor e trabalho, no início, as coisas estavam se equilibrando, e o mercado voltou a funcionar normalmente depois de alguns meses, entre trancos e barrancos esporádicos. Um ou outro produto meia boca, algumas reclamações, mas tudo bem. A coisa estava ficando suave novamente, com alguns problemas, mas tinha gente por lá para resolver tudo: Federico, que ficava por ali conversando com a turma, animando uns, incentivando outros, até que um dia teve um outro rompante quando achou que a coisa poderia ficar feia.

Federico então sobe em uma torre no centro do mercado e proclama: "Sou comprador de toda e qualquer mercadoria nesse mercado, independentemente do preço". Ele desce da torre e sai do mercado para retornar à sua mansão em Punta della Fiore.

O que acontece no mercado quando ele sai? Os vendedores, sabendo que têm um comprador, aumentam seus preços. Os compradores, que antes não estavam dispostos a pagar esses preços, percebem que podem vender e vender os produtos por um preço mais alto, aumentando assim seus lances. Até você, um observador silencioso do futuro enrrustido nessa história do passado, fica tentado a se divertir!

A diversão continua por um tempo. Compradores e vendedores vendem mercadorias a preços cada vez mais altos, gerando lucros como eles. A riqueza se acumula. Os pobres e a classe média, porém, são forçados a ir a um mercado a várias cidades de distância. Eles não podem pagar aquela fortuna que os vendedores de peixe, milho e arroz estão cobrando. Mas por enquanto tudo está bem, aparentemente, pois os vendedores do mercado de Pescatore tem a garantia que o Federico pode voltar a comprar por qualquer preço.

Mas um dia, Federico retorna ao mercado, sobe na torre e proclama: “Este mercado é incrível, movimentado e vibrante. Sempre acreditei na força desse povo, que nunca cansa de lutar e vencer suas mais terríveis calamidades. Somente um povo unido pode conseguir o que vocês conseguiram, e você demonstraram toda a força e capacidade de se re-erguer. Não sou mais necessário e vou para novas cidades que precisam do meu brilho e, também, do meu dinheiro!”

Todos ficaram surpresos, é claro, e logo depois desse anúncio inesperado, sem um comprador a qualquer preço, os vendedores tentam freneticamente vender tudo que tem nas suas mãos. Mas os compradores ficam calados e os preços despencam. E a confusão volta ao pequeno povoado de Pescatore.

Você, que estava até agora se perguntando porque eu gastei todo esse tempo por aqui para inventar toda essa história, vai entender a ironia: Federico nunca precisou comprar nada, apenas a intenção dele de ser um comprador infinito gerou uma inflação nos preços, levando inicialmente a falsa calmaria que uma situação muito ruim de longo prazo (insolvência e falências) poderiam ser resolvidas com um remédio temporário no curto prazo (injeção de liquidez).

Liquidez infinita não resolve tudo

Vários dados que por enquanto não preocupam tanto o Fed começam a aparecer. Como dissemos, a preocupação principal desses burocratas é sempre com o curto prazo, e no caso a preocupação do Fed tem um único grande fundamento agora: continuar a fazer com que a máquina de geraçao espontânea de dinheiro funcione nas regras atuais, para entregar dinheiro a um Tesouro e a um pais já muito endividado.

E no curto prazo eles se apressam para falar que nunca vai ter um problema de inflação pela frente, independente do volume gigantesco de impressão de moeda que temos visto nos últimos anos.

O presidente do Federal Reserve Bank de Atlanta, Raphael Bostic, disse que vê poucas chances de aumentar a inflação nos EUA enquanto o país navega pela crise do coronavírus. Quando se trata de pressões crescentes de preços, "não estou preocupado com isso no próximo ano", disse Bostic a repórteres nesta quarta-feira, dia 20 de maio de 2020, acrescentando que espera ver pressões "abafadas" por enquanto em atividades de preços de commodities leves.

Bostic ainda disse que, em vez de se preocupar com a inflação "a partir de agora, meu foco está em garantir que essa recuperação seja a mais robusta possível e que o alívio esteja nas mãos das pessoas que precisam dela". Sempre assim: fazendo política com o dinheiro dos outros, e se saindo de bom moço, esse é o lema do burocrata de carteirinha.

Sempre que iniciam esses processos, os burocratas do Fed falam que é temporário, que logo tudo vai ser resolvido. Mas a história nos mostra que isso não é verdade. Observe o gráfico abaixo, e note que em 2010, quando Ben Bernanke disse que o Fed ficaria com uma quantidade de ativos no seu balance sheet menor do que 1 trilhão, isso hoje virou até piada, pois já naquele ano chegou a 2 trilhões:

O ponto da curva em 2018, abaixando, foi a tentativa do Fed de diminuir seu balance sheet. Forma meros 800bilhões retirados em alguns meses, o suficiente para o mercado desabar novamente em dezembro daquele ano. Dali em diante o Fed desistiu, e sentiu que qualquer tentativa de parar de injetar dinheiro em na economia seria desastrosa para o mercado. Quando um banco central se vende assim para o mercado, jogando a toalha claramente, comprova que qualquer independência entre eles não existe mais.

A injeção de liquidez não é de hoje, e tudo isso vem sendo feito há muito tempo para sustentar a necessidade de dólares para os EUA crescer nesses anos todos. Paises não tem dinheiro, quando começam. Precisam do dinheiro de seus habitantes, que financiam as coisas todas do pais de duas formas: uma na marra (por meio dos impostos) e outra de forma voluntária (quando compram títulos do governo, como forma de investimento conservador, onde receberão juros futuros contínuos e garantidos quando emprestam de uma vez só uma boa grana para o governo trabalhar).

Essa injeção de liquidez costuma animar bastante Wall Street, principalmente num cenário onde as taxas de juros para lucrar em outros investimentos são baixas – e deverão continuar por muito tempo assim.

Mas o principal problema que temos hoje e que pouca gente vem se preocupando agora é com a insolvência das empresas. Essa epidemia mostrou que algumas mudanças serão temporárias na sociedade, mas outras poderão continuar por um bom tempo. Entrar numa restaurante lotado, por exemplo, não passa pela cabeça de quase ninguém hoje, e não passará por alguns meses ou anos. Pegar um navio lotado, com mais de 5 mil pessoas, para fazer um cruzeiro pelo Caribe, será outro gande desafio.

Muitos desses estabelecimentos já fecharam, e outros ainda vão fechar, causando uma cascata de problemas imensa. Se menos pessoas viajarem, hotéis serão fechados e muitos vão mandar embora uma boa parte dos seus funcionários.

E hoje, dia 21 de maio de 2020, acordamos com várias noticias dando conta de que os casos de Covid19 ainda são muitos pelo mundo – mais de 100 mil casos novos foram registrados no mundo no dia anterior, e novas cepas do virus podem causar mais estrago por ai – mas nem isso preocupa os burocratas.

A tirania do poder e da politica na crise

Outra coisa que vem chamando a atenção nessa fase de crise que estamos vivendo agora são os outros burocratas de plantão, esses então os que foram eleitos pela população, e que deveriam ter o total interesse em melhor solucionar o problema de seus eleitores. Mas esses estão preocupados com eles também, e com a próxima eleição somente.

E vivemos hoje numa sociedade muito dividida politicamente. Uma pesquisa recente nos EUA mostrou que democratas e republicanos tem visões muito diferentes da pandemia, muito por conta do que seu lideres de partido propagam na midia. Democratas e republicanos nos principais estados eleitorais do Arizona, Flórida, Michigan, Carolina do Norte, Pensilvânia e Wisconsin discordam sobre a possibilidade de haver uma segunda onda de casos do Covid-19 e quem é o culpado, se houver.

A pesquisa entrevistou 5.408 prováveis ​​eleitores e tem uma margem de erro de mais ou menos 1,9 pontos percentuais. Entre democratas e independentes, a palavra mais comum usada nas respostas à pesquisa foi "incompetente" para conceituar a atual responsta do governo ao problema. Por outro lado, os republicanos usavam palavras como "bom", "ótimo", "melhor" e "excelente". Em resumo, veja com as visões são diferentes dependendo da preferência política:

  • Você conhece alguma pessoa ou teve contato com alguém com Covid19: 98% dos democratas responderam que sim, 42% dos republicanos responderam que não
  • Medo de voltar ao trabalho muito cedo: 79% dos democratas se disseram seriamente preocupados com isso, do lado republicano o número foi de 12%
  • Quando perguntados sobre uma possibilidade de uma segunda onda de infeção pelo Covid19, os democratas parecem muito mais apavorados: 93% antecipam que isso pode acontecer com certeza, enquando somente 21% dos republicanos disseram acreditar que sim.

Vale muito a pena ver esse video de 3 minutos sobre essa pesquisa, divulgada pelo site da CNBC (assista aqui). Você vai conseguir perceber o quanto esse problema não é mais de saúde, e sim de política, e vai impactar diretamente as próximas eleições americanas em Novembro de 2020.

Como em toda pesquisa, existem as particularidades onde a pesquisa foi feita, pois nem todos estados foram incluidos, somente aqueles citados aqui (que são os que podem decidir de forma mais clara a eleição em novembro). Mesmo assim não deixa de ser assutador como as pessoas estão influenciadas pela política nesse momento, pois as televisões e veículos de mídia por aqui são bem dividadas: nos veículos de imprensa que apoiam o partido atual que está no governo (republicano) as matérias são bem mais positivas, na midia mais a esquerda, voltada para os democratas, as notícias são sempre mais pessimistas, mostrando que as consequencias politicas e economicas do Covid19 podem ser muito ruins e que o atual governo está fazendo pouco.

Outro problema que está começando a aparecer é a discussão sobre o lockdown, que para muitos – e eu compartilho disso – foi exagerado e resolveu pouco o problema no início. Vários protestos começam a aparecer, incluindo empresários que estão entrando com processos na justiça par terem os seus negócios abertos novamente, pois senão a coisa vai complicar ainda mais. E os dados ainda são muito incongruentes com o que é melhor ser feito. Um estudo recente publicado pelo JP Morgan mostrou que nos estados americanos que já acabaram com o lockdown aparentemente a transmissão da doença não foi tão grande quanto nos EUA que ainda insistem nisso. Veja no gráfico abaixo:

Os estados abaixo da linha azul diminuiram a transmissão da doença após acabar com o lockdown (demonstrado aqui pelo R0, uma medida para calcular empiricamente a trransmissão de doenças contagiosas). 

O resultado mais recente sobre o Jobless Claims, que acaba de sair hoje (21 de maio) mostrou que mais 2.438M de pessoas estraram com com esse pedido. No total já são 38.6 milhões de pessoas que entraram no seguro desemprego desde que a crise começou. É um dado assustador, que deixaria qualquer um preocupado, menos os burocratas do poder, é claro. Para eles tudo vai passar, e logo. Mas a coisa fica pior de ser observada quando se analisam os dados por estados: a Georgia, por exemplo, já conta com cerca de 40% de desempregados, um número alarmante, principalmente piorado por conta de uma empresa área ser de lá.

E o mercado também vem se animando bem com isso. Até parece piada, mas nessas 9-10 semanas onde esses dados foram mostrados, em TODAS as oportunidade a bolsa respondeu no seu mercado futuro com uma resposta positiva. Entender Wall Street e suas nuances não é coisa para qualquer um não. Veja no gráfico abaixo, a seta amarela indica a subida de preços no indice futuro do SP500 logo após a publicação dos resultados. E olha que o mercado esperava até um pouco menos (na cas dos 2.4M), mas como tudo é festa com a impressão de dinheiro do Fed, tudo é motivo de alegria – como por exemplo, dizer mais tarde que esperava que ia ser pior:

Neste outro gráfico você pode ver como a bolsa consistentemente subiu depois do anúncio de que a cada semana que passa mais pessoas pediram seguro desemprego. Antes da crise, isso girava em torna de 200mil pessoas, agora são 38.6 milhões (na hora em que fiz esse gráfico em abril o número ainda era menor, mas a foto cabe bem para ilustrar o momento):

Insolvência, algo que o Fed não vai poder resolver injetando liquidez

A pior parte da crise, como sempre, ainda está por vir. Várias firmas vão fechar, muitos vão continuar sem emprego, enquanto o Fed e os burocratas vão querer sempre continuar fingindo que isso é coisa do futuro. Os mesmos que citamos também vão ser rápidos para apertar o gatilho (ou melhor, o mouse do computador) para imprir mais dinheiro, e isso deve acontecer daqui a semanas ou meses novamente.

Noticia divulgada nesta semana mostrou que as transações imobiliárias comerciais nos EUA caíram 71% em abril, 98% no segmento de hotéis. Números que podem ser recuperados, é claro, nada na economia é para sempre, mas já se começa a discutir mudanças estruturais importantes nos conglomerados que empregam milhões de pessoas nos EUA.

Muitas pessoas vão perder o seu emprego para sempre, e vai ser dificil de alocar todo mundo num mercado de trabalho que será completamente diferente de agora em diante, até se achar um tratamento, vacina ou algo do gênero que acalme o pânico gerado por essa história do Covid19 na população.

Do lado da política monetária do Fed e seus amigos, juros baixos, e até negativos, já são a nova norma. Uma noticia recém publicada mostra que o Banco Central da Inglaterra já fala abertamente que deveremos nos acostumar com juros negativos. O mercado de UST está quebrado, e somente se sustenta porque o Fed inventa maneiras para imprimir dinheiro do nada, passar aos bancos e continuar com o jogo que muita gente acha que é um dos maiores esquema Ponzi da história. Pirâmide financeira que somente sobrevive porque tem essa impressão de dinheiro do nada. Vejam para terminar essa tabela, mostrando o quanto se imprimiu de dinheiro somente nesses dois meses de crise, no mundo (praticamente 1/4 do PIB mundial contanto o que já foi e o que vira, provavelmente):

Vamos ver onde tudo isso vai parar, mas o que vemos não é nada alentador. Da nossa parte, vamos continuar estudando as noticias e os fatos, e procurar nos adaptar da melhor maneira possível. No meu modo de entender a economia nessa crise mudou paradigmas importantes nas relações culturais e sociais, e o mundo pode passar por problemas e conflitos sérios no futuro, pois estamos numa fase final de ciclo de dívida de longo prazo e numa época em que a China se prepara para querer assumir o papel de grande lider mundial.

Muitas águas vão rolar, e talvez tenhamos que encontrar um outro Federico Buono para nos livrar de todo o mal.

Nota Final: Para elaborar a historia de Federico Buono usei um Twitt de Sahil Bloom (@SahiBloom), que resumidamente mostrou essa idéia de analogia. Achei interessante para mostrar como as coisas se repetem no tempo (provavelmente fatos assim já se passaram ao longo da história) e como pode ser simples entender que interferências macro-econômicas invariavelmente levam a problemas na micro-economia. Principalmente quando o mundo é globalizado e os Estados vão ficando muito grandes, tirando a possibilidade do localismo resolver melhor os problemas do dia a dia.

 

 

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