Covid19 já faz parte do passado? Pandemia em tempos de Fed Dead-Dovish

Hoje aqui nos Estados Unidos é o 1o dia extra-oficial do verão americano. Para quem não está familiarizardo com esse nosso comportamento, por aqui dizemos que o verão vai do Memorial Day (25 de maio neste ano) ao Labor Day (7 de setembro). E o que vimos ontem no feriado não foi tão diferente dos outros anos: pessoas indo a praia, programas de viagens sendo mostrados na TV, e até o Covid19 ficou num segundo plano - mesmo num dia onde chegamos a quase 100 mil mortes pela epidemia.

Em Wall Street os mercados futuros agiam como se fosse semana passada na verdade, onde na última segunda feira o gap de abertura - gigante - do SP500 foi o que dominou o noticiário. Há 1 semana atrás, naquela segunda feira, a notícia era que a Moderna, empresa do ramo de Biotec, tinha resultados promissores no seu estudo para uma vacina contra o Covid19.

Durante a semana começaram a vasculhar um pouco mais isso e não era bem assim como disseram, e as ações que subiram 25% naquela segunda feira devolveram todo o ganho e mais um pouco até sexta-feita. Sem antes, claro, premiar os insiders que tinham opções a serem exercidas automaticamente num determinado valor. Lorence Kim, diretor financeiro da Moderna, exerceu 241.000 opções por US$ 3 milhões na segunda-feira, mostraram os registros na SEC. Ele vendeu imediatamente depois as ações por US$ 19,8 milhões, criando um lucro de US$ 16,8 milhões em um dia. Nada mal né. Lembramos que isso tudo é permitido pela SEC, e esse tipo de bonificação é comum nas biotecs, mas quando isso se dá por conta de um CEO que anuncia numa TV resultados promisssores algo foi esquecido com relação a ética corporativa, não é mesmo? Por muito menos Elon Musk foi multado. Mas, em tempos de Covid19, qualquer coisa vale para animar os mercados.

Nesta terça feira a bola da vez é a Novavax, que também está falando que vai iniciar estudos num outro tipo de vacina contra o Covid19. Ninguém lembra que ela já disse isso - a mesma coisa, praticamente, no início de março de 2020. E em tempos de Fed dead-dovish (termo que estou inventando para falar quanto o Fed está bonzinho demais com o mercado) qualquer espirro de notícia boa faz o mercado bombar pra cima.

falando em Fed, que pena que ele deixou muitas coisas no passado, como os termos dovish e hawkish por exemplo. Dovish (uma analogia a dove, pomba em inglês) significava que o Fed estava manso, quieto, sem querer atrapalhar a farra de Wall Street na política monetária, e geralmente isso significava não aumentar a taxa de juros. Hawkish (que vem de hawk, aguia) já significava que o Fed não estava para brincadeira quando o assunto era cuidar para a inflação não subir, e provavelmente viria um aumento de taxa de juros para controlar isso se o mercado não se comportasse. Velhos tempos...onde esperávamos as atas do Fed e as calls de seu Chairman para tentar tirar das palavras as relações com esses dois termos.

Por isso é que para mim, agora, o termo a ser usado deve ser dead-dovish. Além de bonito e de rimar bem quando falamos, mostra como a pomba está praticamente morta: o mercado tem certeza de que no curto prazo (e talvez médio prazo) o Fed não vai se meter a aumentar a taxa de juros, e vai continuar comprando o que for preciso no mercado para fazer com que a farra da subida se extenda por tempo indefinido.

O Fed dead-dovish escancarou de vez: falou no ano passado que quer uma inflação pequena, há 10 dias falou que imprime dinheiro mesmo - facilmente - apertando um botão de computador, e que vai continuar fazendo isso eternamente se for preciso. E trader em Wall Street adora isso em época de juros zero: confiança de que, se precisar do Fed, ele estará lá para baixar a guarda e contentar o mercado. Mais pomba-morta que isso impossível.

Nada mudou na economia nas últimas 3 semanas, aliás, mudou sim: aumentou o desemprego, aumentaram os pedidos de falência, grandes nomes como Hertz e JC Penney já estão na berlinda, Latam anunciou que pode pedir falência em 3 paises, Lufthansa vai ser praticamente estatizada pelo governo alemão, os protestos em Hong Kong voltaram, restaurantes vão reabrir com 1/4 a 1/3 da capacidade máxima, estadios de futebol e basquete continuaram vazios, a temporada do beisebol ainda está ameaçada, empresas continuam se endividando de forma insustentável...se esforcem para achar uma coisa boa nisso tudo. Vai ser difícil.

Para um investidor mais antenado, isso significaria um receio com a bolsa na hora de abrir aqui hoje, correto? Negativo: esse investidor antenado deixou de existir faz tempo. Hoje o que existe são robôs operando ordens automaticamente por meio de notícias, e indices técnicos. E fundos de pensão e hedge funds desesperados para achar alguma coisa que renda mais de 1% ao ano e que não seja tão arriscado quanto bolsa - talvez um bond corporativo que o Fed está ajudando a salvar, não é mesmo? E por conta disso, e de tudo que o Fed vem fazendo com a absurda injeção de liquidez, teremos um dia verde em Wall Street.

Guardem, porém, alguns dados:

1. Níveis de demanda de gasolina cairam brutalmente, e para chegar nos níveis anteriores ao Covid19 ainda precisam subir mais 50%

2. A velocidade do M1 ainda continua baixa, significando no curto prazo uma deflação perigosa antes da suposta retomada econômica (o dinheiro não está chegando em Main Street, apesar da impressão recorde)

Aliás, essa velocidade de suprimento monetário vem diminuindo há muito tempo - desde 1997:

3. No mundo todo os bancos centrais também estão sofrendo para ver o dinheiro que imprimem chegar a economia nas ruas

Quando você ouvir nas notícias que o Fed está fazendo de tudo para ajudar você nessa crise financeira, reflita e pensa se isso pode ser verdade. As aparências as vezes enganam: uma pomba parada pode estar morta se você estiver olhando de longe.

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