O ano de 2020 foi surpreendente - nisso todos concordam. Pandemia que em vários momentos mostrou sinais complicados para os mercados, levou pânico a população, e ajudou a complicar a vida de muito empresário. Mas, em Wall Street, o mundo parece que viveu longe da pandemia: a bolsa teve um dos melhores anos já registrados na sua história, mesmo com a economia mundial travada por conta do virus chinês. Nasdaq foi o destaque do ano, subindo mais de 40%.
Desempenho das bolsas americanas no ano de 2020 (dados atualizados até 31.dez.2020, 11.11am horário leste dos EUA)
Para mim a surpresa maior no mundo financeiro não foi nem essa forte subida das bolsas pelo mundo depois do fundo de março/abril. Afinal, quando os bancos centrais imprimem dinheiro a vontade e os juros estão na casa de 0-0.25% ao ano é fácil dizer que um dos poucos investimentos que valem a pena é aplicar na bolsa de valores. A surpresa para mim foram os números de investidores que abriram contas em brokers nos EUA para operar na maior bolsa de valores do mundo.
Os investidores individuais (chamados de retail investors por aqui) abriram mais de 10 milhões de novas contas de corretagem em 2020, segundo uma estimava da JMP Securities, um recorde histórico (mais um para este ano). E o interesse pela abertura de novas contas não está diminuindo: os downloads de aplicativos para corretoras, embora menores do que no início do ano, permanecem resilientes, com o aplicativo Robinhood Markets Inc. esperando atingir 500.000 downloads somente em dezembro. O tráfego do site para corretoras bem estabelecidas, incluindo TD Ameritrade Holding Corp. e E * Trade Financial Corp., também continua a aumentar.
Só para se ter uma idéia de quanto isso é um número alto, a Fidelity Investments - empresa fundada dem 1946 e com sede em Boston é hoje a maior detentora de planos de aposentadoria 401(k) do país (um tipo de fundo de garantia onde empregado e empregador depositam o dinheiro para aposentadoria)
De acordo com o site da empresa, a Fidelity tinha US$ 7,3 trilhões em ativos de clientes em 31 de março de 2020, com ujm número total de 30,8 milhões de contas de corretagem ativas. A empresa também possui 32 milhões de investidores individuais e mais de 2,2 milhões de negócios comissionáveis por dia. Ou seja: neste ano foram abertas contas de corretagem que equivaleram a 1/3 do total de contas que a Fidelity tem - um número pra lá de impressionante.
Em 31 de dezembro de 2019 a Charles Schwab - outro gigante daqui - detinha US$ 4,04 trilhões em ativos de clientes, com um total de 12,3 milhões de contas de corretagem ativas.
O ano de 2020 será conhecido como aquele onde os investidores individuais mergulharam de cabeça nos mercados financeiros e dobraram de tamanho, mesmo em meio a uma pandemia global, preparando-se para uma viagem de montanha-russa que fez as ações despencarem e logo depois dispararam - em tempo recorde, diga-se de passagem.
Os grandes bancos (como JPMorgan, Citigroup e Bank of America, entre outros) foram "salvos pelo gongo" com essa nova entrada de investidores querendo participar do cassino de Wall Street. Em todos os balanços publicados depois do Q1 de 2020 seus lucros foram positivamente impactados pela area de corretagem em contas margem, e num momento em que os juros estão lá no chão esse foi mais um motivo para que se estimulasse a propaganda de que o único caminho do dinheiro deve ser a bolsa.
O problema é que, como em todo jogo onde se pode pedir dinheiro emprestado dos outros para jogar, a coisa começa a dar sinais de alerta que podem acabar com a alegria da festa de uma hora para a outra. A dívida em conta margem (dinheiro emprestado, na verdade) atingiu o ponto mais alto em dois anos, pois os investidores tomaram emprestado um recorde de US$ 722,1 bilhões contra suas carteiras de investimento até novembro de 2020, superando a alta anterior de US$ 668,9 bilhões de maio de 2018, de acordo com a Autoridade Reguladora da Indústria Financeira (FINRA).
Este montante corresponde a um aumento de 28% desde o mesmo período do ano passado e quase 10% de aumento com relação a outubro de 2020, que já mostrava um número na casa de US$ 659,3 bilhões (3 meses atrás, somente). O aumento na tomada de risco indica que os investidores estavam eufóricos com a aproximação das vacinas COVID-19 e vão continuar, mas indica também que estão entrando na bolsa num mercado em topo, altamente esticado para cima, como gostamos de dizer no jargão de mercado.
Numa hora como essa muita gente entra na bolsa, impulsionado pela corrente, no que chamamos por aqui de FOMO (fear of missing out, em portugues "o medo de ficar de fora"). O Wall Street Journal, no dia 28 de dezembro deste ano, publicou uma matéria que é a cara deste momento, e que incentiva cada vez mais as pessoas a aplicar na bolsa. Na matéria é contada rapidamente a história de sucesso de Bruce Burnworth. Segue em tradução livre uma parte da história:
"Bruce Burnworth costumava juntar cupons e procurar negócios antes de seu investimento na Tesla Inc. torná-lo milionário.
Ele faz parte de uma classe crescente de americanos abastados que estão dobrando, ou mesmo triplicando (seu capital) no mercado de ações em alta neste ano. O S&P 500 disparou 66% desde o fundo do poço em março, nos primeiros dias da pandemia Covid-19, enquanto dezenas de ações individuais, como a Tesla, subiram ainda mais.
Alguns investidores foram tentados a perseguir ganhos maiores - e se expuseram a perdas potencialmente devastadoras - por meio de jogos mais arriscados, como posições concentradas, opções e fundos negociados em bolsa alavancados. Outros estão tomando empréstimos contra suas carteiras de investimento, empurrando os saldos de margem para o primeiro registro em mais de dois anos, para comprar ainda mais ações.
Burnworth, um engenheiro civil de Incline Village, Nevada, que está se aproximando da idade da aposentadoria, está usando todas essas estratégias depois de transformar uma aposta de cerca de US$ 23.000 na Tesla no ano passado em quase US$ 2 milhões hoje. Sua crescente participação na Tesla permitiu que ele fizesse um empréstimo contra sua posição para converter as opções da Tesla em ações que aumentaram sete vezes este ano. Ele diz que também ajudou sua filha a comprar uma casa e um utilitário esportivo Tesla para outro membro da família."
Não é a toa que cada vez mais gente vai se empolgar e entrar no mercado. Na hora que escrevo esse artigo a bola da vez é o Bitcoin, que numa época de pouco volume nas bolsas disparou e atingiu quase 30 mil dólares de valor por dolar. Robinhood, por sinal, possibilita que você compre e venda BTC, e com certeza a galera mais nova está colaborando e muito para essa subida - se bem que muita gente grande tem entrado nesse barco também, por conta da perda do valor do dolar nos últimos meses, principalmente.
Todo mundo quer ganhar dinheiro, e aplicar na bolsa pode trazer muita riqueza, mas também muita dor. Em tempos de juros baixos só resta realmente esse tipo de investimento para gerar lucros substanciais, mas se a sua visão for somente para o curto prazo o desgosto pode ser grande. Invista em bolsa, sim, mas saiba onde está pisando, e tenha sempre duas palavras na mente: diversificação e hedge. Para mim é isso que vai salvar você na hora do caos. E saiba operar opções de forma saudável - isso também vai te dar um bom dinheiro se você souber lidar com a mecânica e a matemática do mercado.
Desejo a todos um excelente 2021 e que possamos passar por ele com um pouco mais de tranquilidade e saúde. Tendo saúde todo o resto é secundário.
Sucesso e paz!