CalPERS: o desastre com Tail Hedge no maior fundo de pensão do mundo

Quando se tenta prever o futuro nos mercados o resultado nem sempre é bom. Quando isso acontece com uma empresa grande, pior ainda. Quando é com um fundo de pensão então, o estrago ao tentar adivinhar o que pode vir nos próximos meses e anos pode custar caro para todo mundo, não só para o gestor que fez essa bobagem.

O que aconteceu com o fundo de pensão dos funcionários públicos da Califórnia é um caso interessante, para dizer o mínimo, quando o assunto é tentar adivinhar o futuro das bolsas. E o preço a pagar vai ser caro, para todo mundo que tem dinheiro lá, e vai demorar muito para que isso seja eliminado da mente - e da conta bancária - de todos.

Quando os mercados caíram em março, o CalPERS (nome do fundo de pensão da Califórnia, que tinha um AUM de US$ 394 bilhões de dólares em dezembro de 2019) perdeu um pagamento de mais de US$ 1 bilhão - aproximadamente - depois de cortar seu programa de cobertura de hedge como parte de um esforço de redução de custos, criado no intuito de justamente diminuir perdas quando quedas fortes do mercado ocorrem.

O CalPERS estava pagando cerca de 5 pontos base (0,05%) pela parte gerenciada externamente de um programa de seguro contra risco de cauda que protegia cerca de US$ 5 bilhões em ativos. Em outubro de 2019 o plano de pensão decidiu encerrar a iniciativa de hedge porque era muito cara. A Universa Investments administrava a maior parte do plano de hedge, enquanto a LongTail Alpha de Newport Beach, CA, administrava outra parte. O CalPERS deu a eles o padrão de 90 dias para sair de suas posições - portanto, em janeiro de 2020, todas posições de hedge foram desmontadas.

Que timing espetacular, não é mesmo? Fico imaginando os gestores do CalPERS somente 1 mês depois disso, em fevereiro, vendo o mercado desabar e se arrepender de ter parado de pagar um seguro tão importante como esse. Além de fazer um tail hedge pequeno (protegendo pouco mais de 1.5% do seu patrimônio total) cortou isso pois achou que estava muito caro.

O Universa (que tem em Nassim Taleb um consultor) saiu das posições em janeiro - tinha a maior parte dos planos de hedge do CalPERS. O LongTail - o outro fundo que estava administando parte pequena do hedge - estava no processo de desenrolamento entre 1º de janeiro e 31 de março e poderia ter gerado uma distribuição final de cerca de US$ 150 milhões a US$ 175 milhões. Universa e LongTail se recusaram a comentar o assunto, segundo reportagem publicada no site Institutional Investor

Você pensa que o gestor e coordenador dessa bagunça toda pediu desculpas aos funcionários públicos da Califórnia? Ledo engano: o diretor atual de investimentos da CalPERS, Ben Meng, nascido na China e naturalizado americano, que entrou em janeiro de 2019, confirmou a decisão: "Encerramos estratégias explícitas de opções de cobertura de risco por causa de seu alto custo, falta de escalabilidade e o fato de haver melhores alternativas disponíveis para o CalPERS", disse Meng ao Institutional Investor. "Em momentos como esse, precisamos resistir fortemente ao 'viés resultante' - analisando resultados recentes e depois usando esses resultados para julgar os méritos de uma decisão", alertou Meng. “Somos um investidor de longo prazo. Para o tamanho e a complexidade do nosso portfólio, precisamos pensar de forma diferente.” Pode ter certeza de que, se tivesse continuado com o hedge, ele seria o primeiro a ir para a TV e internet para falar que as proteções de cauda foram pensadas exatamente para cenários como aquele, e iria se vangloriar por ter sido aquele que "não acabou com o programa". A hipocrisia dessa turma é impressionante.

Os programas de cobertura de risco de cauda são semelhantes aos seguros de vida - e nossa estratégia de investimento, como você bem sabe, leva em conta essa opcionalidade. Com as coberturas de cauda, ​​como qualquer apólice de seguro, os investidores pagam uma pequena quantia a cada ano - um custo irrecuperável - por um grande pagamento em potencial, se ocorrer o evento que está sendo segurado.

E é aqui que mora o perigo, e ninguém do mercado discute isso claramente. Quanto pagar, e o que vale a pena fazer? Em nossos cursos discutimos tudo isso e muito mais a fundo, e ficaria impossível falar num artigo o que deve ser feito, mesmo porque depende muito da sua filosofia de investimento, do montante de capital a ser protegido, e do quanto você quer abrir mão em termos de rendimento anual para ter essa proteção na sua carteira. Via de regra recomendamos que esse seguro seja barato, mas barato para nós é ao redor de 1.5% - 2% ao ano, ou seja, tem um custo razoável se você não consegue remunerar seus investimentos em pelo menos 8-10% ao ano de forma consistente, ao longo do tempo.

Este foi o cerne do problema no CalPERS, segundo fontes que falaram a revista Institutional Investors. Havia uma falta de compreensão desse custo e tinha genet preocupado com o que poderia ser visto como um tipo de taxa de administração. O CalPERS “comparou” o programa de hedge de cauda com o benchmark genérico do próprio fundo. Como não possuía um benchmark personalizado, os 5 pontos base tornaram-se mais um custo para o CalPERS. O que, no fundo no fundo, nem seria um hedge de cauda adequado, provavelmente, pois sabemos que uma proteção de carteira adequada dificilmente custa menor de 2% ao ano. Para que esse custo se torne acessivel e justifique ser feito, você deve ter pelo menos um ganho total de 2% acima do SP500, pois senão os custos não justificarão a proteção ao longo do tempo.

Não é assim que as coberturas de cauda devem ser avaliadas, de acordo com a Universa, um dos ex-gerentes externos. "É claro que o desempenho da mitigação de risco deve ser medido pelo seu 'efeito de portfólio' - especificamente, o impacto que ela tem sobre a taxa de crescimento anual composta (CAGR) de todo o portfólio cujo risco está tentando mitigar", disse a empresa a clientes em um relatório.

Por exemplo, a Universa recomenda um portfólio hipotético de alocação de 3,33% para seu produto de risco final, juntamente com uma posição de 96,67% no índice de S&P500, um proxy que a empresa usa para mitigar o risco sistemático. Em março de 2020, o portfólio hipotético apresentou uma taxa de crescimento anual composta de 0,4%. Em março, o índice S&P 500 perdeu 26,2% no ponto mais baixo e fechou o mês em queda de 12,4%. No acumulado do ano, o portfólio hipotético da Universa teve um CAGR de 16,2%, contra os 4,5% do S&P 500. O modelo produziu um CAGR de 11,5% desde março de 2008.

A decisão da CalPERS de estabelecer uma apólice de seguro de acidentes remonta a 2016, quando o CIO era Ted Eliopoulos. O sistema de pensões estava tentando ser cauteloso, pois ainda estava sofrendo com a crise financeira global e começou a avaliar diferentes gerentes para fazer a proteção de risco de cauda naquele ano. Em agosto de 2017, a CalPERS contratou a Universa e a LongTail Alpha. Ele estabeleceu um programa interno menor para executar estratégias relacionadas, e planejava reavaliar o programa a cada três a seis meses para verificar se atendia às expectativas.

Nos 11 dias entre 26 de janeiro e 9 de fevereiro de 2018 o CalPERS perdeu cerca de 4.6% de valor, contra mais de 8% do SP500. Ted Eliopoulos, então CIO, analisava que as proteções de cauda estavam ajudando um pouco, e continou com a estratégia naquele ano. Outros testes foram importantes, incluindo a liquidação do mercado em dezembro de 2018, pela qual passou com êxito. O CalPERS continuou a aumentar sua alocação. Então, no outono de 2019, com um novo líder, a CalPERS cortou o programa. Que bela idéia, não é mesmo? Quem assumiu, Ben Meng, foi quem tomou a sábia decisão de que estava caro pagar 0.05% ao mês (0.6% ao ano, aproximadamente) por algo que tinha evitado em algumas oportunidades 50% de queda nos investimentos. 

Vou deixar aqui uma foto - um print de tela - para que ninguém diga que estou exagerando quando critico acadêmicos burocratas, quando esses são deparados com os problemas do mundo real. Observem o curriculum de Ben Meng, PhD que lidera os caminhos de investimento do maior fundo de pensão do mundo - bom né? Mas quando deparado com a realidade nua e crua do mercado, não adianta curriculum bonito: são suas decisões, e as bobagens e prejuizos relacionados a eles, que ditam se você está no caminho certo ou não.

Por isso, caros leitores, quando você achar que tem pouco conhecimento sobre o assunto risco de cauda, fique feliz: você e o CIO do CalPERS, que tem na mão quase 400 bilhões de dólares, têm algo em comum.

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