Wuhan e Coronavirus foram palavras que muita gente pronunciou pela primeira vez nos últimos meses. Eu mesmo não sabia da existência dessa cidade até o fatídico mês de dezembro de 2019, quando começaram as notícias (ainda eram boatos) de que uma epidemia poderia estar se iniciando na China. Notem que estamos falando de 2 meses, meros 60-70 dias, num universo que tem bilhões de anos. Como as pessoas insistem em se assutar com tragédias no curto prazo, não é mesmo? Bom, mas vamos ao post.
Meu post de hoje tem um objetivo principal: trazer um pouco de bom senso a essa loucura que se tornou a história do Covid-19 - aliás, como toda boa história de terror, tem que ter códigos e siglas na hora de divulgar a tragédia, para assustar mais a turma que insiste no lado racional da coisa. Como meu cérebro sempre desconfia de algo que é muito exagerado, eu resolvi nas ultimas semanas estudar um pouco mais a fundo isso tudo.
Começo, obviamente, lembrando que tentar trazer a tona um pouco de razão não quer dizer que uma epidemia não me procupe. Claro que estou atento e vou tomar as medidas preventivas necessárias (que são poucas, na verdade, como vou falar um pouco mais adiante). Sempre que temos uma condição de contágio que pode ser evitada, o bom senso - e a razão - nos dizem para tomar as iniciativas necessárias. Porque não usar uma máscara, se for preciso, se eu assim evito ir pro hospital? Isso é o lado mais fácil, para mim, para abordar um problema: se a minha ação preventiva é fácil de ser feita, e não gera nenhuma complicação adicional a minha saúde, não fazer seria irracional.
Outro ponto importante: não ouça nem avalie nada por conta do que os políticos dizem. Quem está no poder no momento vai sempre falar que a epidemia não é problema, e a oposição que quer o lugar do governante atual vai falar que é a maior desgraça da história e que o atual governo não cuida bem do assunto. Desista de ouvir esse pessoal: esses burocratas não tem nenhuma responsabilidade sobre qualquer resultado que possa ter um determinado assunto. Portanto, não merecem ser ouvidos com atenção. Faça a sua própria avaliação dos fatos, mas procure olhar os fatos com desconfiança e atenção sempre, até chegar a sua conclusão - aliás, se no final do artigo você desconfiar de tudo que leu não tem o menor problema: faça a sua busca pela verdade imediatamente. Ou, se não for para ser tão exigente assim, busque pelo menos o que parece ser mais confiável.
O que me chama a atenção nisso tudo é o comportamento de manada da população, aliado ao pânico generalizado que se alastrou por tudo quando é canto. Cada vez mais assustador, esse pânico é piorado hoje principalmente por conta de estarmos vivendo a época onde a conexão e comunicação entre as pessoas está atingindo níveis astronômicos. E nem sempre essa comunicação inter-pessoal é sinônimo de algo organizado, positivo, muito pelo contrário. Quanto maiores as conexões entre os humanos, real ou virtualmente, pior o ambiente pode ficar em termos de ordem.
Vejam esse gráfico abaixo, com um exemplo mostrado recentemente num curso que participei em NY, para entender onde quero chegar - e olha que o tema do curso era gestão de risco na vida real, por uma ironia do destino:
Nessa foto, o cientista quântico Joe Norman mostra como num mundo hiperconectado quanto mais aleatórias são as conexões mais elas caminham para uma desordem constante. E o que temos hoje no mundo das mídias sociais nada mais é do que isso: uma impressionante rede de conexões onde tudo se propaga exponencialmente.
Usando programações simples no computador, para gerar os circulos mostrados no slide, ele foi criando regras de conexão entre os pontos contidos na circunferência de uma esfera (neste exemplo da foto 20 pontos)
No gráfico mais a esqueda, a harmonia da figura vem de uma regra simples fornecida ao computador: a conexão somente foi permitada entre dois pontos, imediatemente próximos, pulando-se um. Eu pensei comigo que isso poderia ser a comunicação entre membros de uma família com filhos pequenos, um casal e 2 filhos, por exemplo, que não necessariamente obedecem regras rígidas dessa maneira, mas onde a informação é controlada e aproximadamente equilibrada (até certo ponto, é claro, e dependendo da família ser organizada)
Na figura do meio, a simulação de computador permitiu que dos 20 pontos, 3 pudessem se comunicar com algum que não seguisse a regra estabelecida anteriormente. Na minha analogia da família, os 2 filhos chegaram à adolescência. A foto já não tem uma harmonia visual uniforme, como a primeira, mas ainda lembra algo que um dia foi organizado mais harmoniosamente.
Na figura mais a direita, todos que olharem vão pensar em qualquer coisa menos harmonia. A mudança que o programa de computador simulou veio por meio de uma outra regra simples: cada ponto poderia se conectar a qualquer outro ponto. Pra mim esse é o mundo que vivemos hoje nas mídias sociais.
Especialistas em qualquer assunto
Eu gosto muito de modernidade, e uso as midias sociais também. Aliás, por meio da intenet conheci a minha esposa em 1997, nos primórdios da internet no Brasil. Aquele bate papo deu frutos e mais 2 filhos, que hoje vivem boa parte da vida no Instagram.
Um ponto vem me chamando a atenção, porém, quando o assunto é midia social. Vocês já perceberam como nesses ambientes existe um mundo de especialistas que não se especializaram ou especializam em nada, mas falam sobre tudo com uma pretensa propriedade única de conhecimento? E é impressionante como sabem tudo de qualquer assunto. A pessoa é especialista em vacinas, e no minuto seguinte, se um assunto importante vier a tona, ela vira especialista, por exemplo, em queimadas nas florestas australianas ou em espécies marítimas ameaçadas de extinção na costa do Maine.
Outro ponto em comum com os especialistas da midia social: eles tem predileção por coisas etéreas, como Climate Change, por exemplo. Mas não perdem o menor tempo em serem especialistas sérios, quando o assunto é doença ou desgraça: em situações envolvendo a saúde o importante é espalhar o pânico, e se for pra xingar alguém então melhor ainda para aumentar o número de seguidores, chamando que é contra de "hater"(aliás, como é chato ver gente trocando palavrões no twitter e falando "haters chorando agora"...). E o que estamos vivendo com o Covid19 (que nome bacana né para espalhar o terror nas entrelinhas) é um prato cheio para essa gente.
Disseminar o pânico é muito mais fácil
As midias sociais são especialmente fantásticas para comunicar fatos geradores de pânico. Nem sempre isso é feito de forma racional, é claro. Aliás, pânico não tem nada de razão: tem tudo de emoção e de comportamente automático. Por isso disseminar o pânico é tão contagiante e fácil: o cérebro humano é automatizado para encarar situações de pânico como situações críticas a vida.
Experimente ir no cinema hoje a noite e começar a tossir sem parar - se você tiver olho puxado, então, melhor ainda. Faça esse experimento social. Você vai observar pessoas te olhando torto, algumas talvez comentando ao pé do ouvido do namorado "será que esse chinês está com o Coronavirus?" ou pior: se for um daqueles radicais black bloc você pode até tomar uma bela bronca (ou um empurrão) e ser expulso do ambiente. Porque isso?
Amigdala (aquela do cérebro, não da garganta) e gânglio basal: os grandes culpados
Nós temos uma área em nosso cérebro responsável por comportamentos automáticos ligados aos nossos mais remotos ancestrais: o sistema límbico (principalmente na área chamada Amigdala). Além dessa área temos aquelas mais primitivas ainda, na região do gânglio basal. Alguns fatos específicos ligados a nossa sobrevivênvia ativam as áreas motoras, outros ativam as áreas sensoriais e a partir dai tomamos atitudes que as vezes são irracionais (como brigar com um animal selvagem no meio da mata, se não tem outra saída para sobreviver)
Se você estiver naquele cinema do nosso exemplo anterior e alguém sentir cheiro de fumaça e sair correndo gritando "incêndio" você vai correr junto, e todo mundo fará isso. Você não vai ficar pensando se a fumaça é de um circuito elétrico ou de uma fogueira do vizinho, se a pessoa que gritou pode tem alguma síndrome que faz com que ela sinta cheiros estranhos: você vai correr pois o seu lado primitivo do cérebro está agindo.
Vamos deixar o cérebro primitivo de lado
Meu artigo hoje tem um fundamento principal: vamos lembrar um pouco da razão, e do nosso cérebro não tão primitivo, para observar alguns fatos sobre a epidemia de coronavirus:
1. No total hoje (29 de fevereiro de 2020, 7.30am) são 85,409 casos confirmados para 2,933 mortes o que dá uma taxa de mortalidade de 3.43%. Comparado ao Ebola, por exemplo, é um virus com potencial letal bem menor. Aliás, se você não sabe, na República do Congo, na Africa, a situação é bem crítica no atual momento: de um total de 3,444 casos, 2,264 morreram (uma mortalidade assombrosa de 65.73%) nos últimos 18 meses - Clique aqui para acessar os dados completos do site da OMS, se tiver interesse. Acredito que o interesse vai ser pouco nisso, afinal, ninguém está nem ai para a Africa, não é mesmo? Poucos especialistas do twitter vão querer passar as próximas férias de verão para ver o vulcão Nyamulagira, o mais ativo da Africa, caminhando 3 horas no meio do mato.
2. Dos pacientes que estão sendo tratados, a grande maioria é liberada em boas condições de saúde (mais de 80%). Porque ninguém fala mais sobre isso, e quando fala racionalmente dessa forma é criticado e considerado um denier (palavra do inglês, que vem se tornando de caráter pejorativo, que significa que alguém está negando um fato óbvio - óbvio pela ótica dos malucos em pânico, é claro, pois o óbvio é o fato em si)?
3. A maioria das pessoas que estão morrendo são idosos ou pacientes com o sistema imunológico comprometido: como em toda infecção viral, o bicho é mais leta em quem já tem complicações em outras partes do corpo ou é mais susceptivel a complicações. Parece meio óbvio isso, mas é bom lembrar sempre. Os panic boys/girls que mandam foto da última viagem a Paris no Instagram esquecem as vezes disso.
4. Até prova em contrário esse virus é menos mortal, porém mais transmissível que o SARS. Num estudo recente publicado no JAMA, um dos mais renomados jornais científicos do mundo, 81% dos casos (dos mais de 72 mil casos totais que entraram no estudo) foram classificados como leves, o que significa que não resultaram em pneumonia ou resultaram apenas em pneumonia leve. Casos graves foram 14% (marcados por dificuldade em respirar) e 5% críticos (insuficiência respiratória, choque séptico e / ou disfunção ou falha de múltiplos órgãos). A mortalidade reportada no estudo foi de 2.3%. Apesar do Covid-19 ter um poder de transmissão maior, surtos hospitalares (disseminação rápida entre pacientes internados) não parecem ser tão importantes quanto em outras epidemias por coronavirus. Em comparação com os coronavírus SARS (síndrome respiratória aguda grave) e MERS (síndrome respiratória do Oriente Médio), que foram identificados nos últimos 20 anos, o COVID-19 é provavelmente mais altamente transmissível, mas não tão mortal, observaram os pesquisadores do trabalho que citei do JAMA. (SARS teve uma taxa de mortalidade de 9,6% e a MERS de 34,4%.) - clique aqui se você deseja ler o artigo publicado em inglês com o resumo do artigo do JAMA
5. Não sabemos as condições de tratamento dos pacientes que morreram. Acreditar que um hospital consegue ser construido em 2 semanas é piada de mal gosto, não é mesmo? Uma coisa é construir o prédio, mas e toda a infraestrutura para tratar casos respiratórios graves em um pais que não é lá dos mais modernos em algumas provincias rurais ;e outra história. Do total de 2,933 mortes detectadas até agora, mundialmente, somente 98 (3.3%) foram FORA do território chinês. Até a bem próxima Hong Kong, que teria de tudo para ser muito afetada, teve somente 2 mortes até agora. E o que falar das Filipinas, um pais com mais de 100 milhões de pessoas que vivem bem próximas umas as outras, em cidades com grandes densidades populacionais, que reportou até agora 1 morte? Pode até ser uma falta de documentação, mas são fatores que não podemos esquecer na hora de tentar buscar um pouco de razão no meio dessa bagunça toda.
Foto do site do Johns Hopkins CSSE - se quiser ver, clique aqui
Vamos fazer a nossa lição de casa e pensar em prevenção localmente
Um ponto importante no final deste post: não estou dizendo que não é necessário se precaver de uma possível pandemia. Muito pelo contrário. Quem gosta do estudo de risco, como eu, sabe que tudo deve ser feito para que possamos nos proteger de um risco a saúde. O que acho que não devemos fazer é alastrar o caos, e cobrar localmente de nossos governantes medidas que sejam prudentes para evitar que o virus chegue até nós. Aqui nos EUA as restrições de viajantes surtiram um efeito positivo imediato, e acredito que estamos no caminho certo. Acredito que os casos continuarão se espalhando, e será uma questão de dias ou semanas até se espalhar mais por outros continentes. Mas com um adequado atendimento médico os casos mais graves poderão ser tratados com eficiência. Evitaremos mortes? Em vários casos, mas não em todos, obviamente. A vida é caótica e aleatória, e mesmo eu, que hoje estou escrevendo esse artigo aqui para vocês, posso morrer disso. Não temos como evitar o aleatório, o que está ao nosso alcance é somente usar das medidas preventivas necessárias.
Pelo que sabemos até agora, a doença tem um grande poder de transmissão (como qualquer outra gripe forte tem) e uma baixa mortalidade, comparada a outras epidemias parecidas. Vamos evitar sair muito em grandes aglomerados, continuar com a higiene pessoal sempre, lavar as mãos e usar álcool gel, e ficar atentos. Espalhar o pânico não é nada legal. E se der um tempo, lembrem que a Africa e o Brasil continuam existindo também. Aproveitem para usar o poder das midias sociais para lembrar do Ebola na Africa e da Dengue no Brasil.
Aliás, sobre a dengue no Brasil, somente em 2020 foram notificados 94.149 casos prováveis até a quinta semana do ano (mais precisamente de 29/12/2019 a 01/02/2020), comparados a 79.131 no mesmo período no ano passado. Isso mesmo: nas 5 primeiras semanas de 2019, ano passado, o Brasil teve quase 80 mil casos de dengue. Com relação a mortalidade, neste início de 2020, há a confirmação de que pelo menos 14 pessoas morreram por dengue no pais, número maior que o total de mortos de Covid19 nas Filipinas, Hong Kong, Taiwan e França.
Os dados de 2019 assustam mais ainda quem usa a razão para ver números. O Brasil registrou oficialmente no ano passado 1.544.987 casos de dengue, um aumento de 488% em relação a 2018, segundo dados do Ministério da Saúde. Desse total, 782 pessoas morreram em todo o país e é por isso que talvez falem pouco: o índice de mortalidade é bem baixo (0.05%). Mas como atinge muita gente, quase 800 pessoas morrendo num ano não é nada insignificante para uma doença tão fácil de ser prevenida se a população fizer a lição de casa.
No ano de 2019 o Brasil também registrou 10.708 casos de zika virus, com 3 mortes, e 132.205 ocorrências de chikungunya com 92 mortes, um aumento, respectivamente, de 52% e de 30% em relação aos casos de 2018. Juntando todos os casos de dengue, zika e chikungunya, houve um aumento de 248% no registro das doenças transmitidas pelo mosquito do Aedes aegypti em 2019.
Vamos olhar para nossa casa primeiro, antes de se preocupar em salvar o mundo.