Gurus do mercado: eles também não sabem de nada

Em março de 2019 David Bailey, Jonathan Borwein et al publicaram um paper interessante sobre a confiança que o mercado tem nos gurus do futuro: aquele bando de gente que fica por ai falando que o mercado vai chegar a XYZ (em termos de valor) nos próximos dias, meses, e até anos.

 

Temos que lembrar que muita gente acredita que isso é verdade, e fica fazendo uma ginástica tremenda para ver se pode adequar seus trades de acordo com os “gurus da vez”. Essa espécie de gente costuma ter vida longa no mercado, por incrivel que pareça, pois o ser humano não consegue conviver muito bem com o imprevisivel.

Neste estudo os pesquisadores avaliaram a precisão de 6,627 previsões de 68 analistas de mercado entre 2005 e 2012. Eles poderaram cada previsão de acordo com o tempo e a especificidade (por exemplo: teve gente que fez previsões para o mercado para os próximos 30 dias, outros para 1 ano).

Ainda na metodologia empregada por eles, foi dado mais peso para previsões de longo prazo e para aquelas que foram mais específicas (por exemplo, SPX vai chegar a 3200 pontos ao final de 2011 seria um peso mais importante em termos de acerto - se isso aconteceu realmente - comparado aquela análise que previa que o mercado ia subir nos próximos 3 meses). Afinal, no curto prazo qualquer um pode prever qualquer coisa sem ser chamado de guru, não é mesmo? Os gurus de longo prazo tem muito mais credibilidade na midia.

Eles consideraram no estudo 4 intervalos de tempo:

- até um mês: 25% de peso ponderado

- até 3 meses: 50%

- até 9 meses: 75%

- mais de 9 meses (até 2-3 anos): 100%

Com relação a especificidade, eles ponderaram em 50% uma previsão inespecífica e em 100% uma previsão mais precisa. Por exemplo, uma previsão que declara “o mercado será volátil nos próximos dias” não é uma previsão muito específica, porque o investidor pode não ser capaz de tomar uma decisão apenas com base na previsão. No entanto, a previsão de que “o mercado experimentará uma correção” é mais específica e, portanto, importante. Neste exemplo, os autores atribuiram um peso de 0,5 às previsões do primeiro tipo e um peso de 1,0 às previsões do segundo tipo. Observe que mesmo o que eles caracterizaram em alguns exemplos como “previsões mais importantes” também não tem muita coisa de precisão, não é mesmo? Bom, mas vamos em frente.

Os resultados, pelo menos para mim, não foram nada surpreendentes. Eu não acredito em praticamente nenhuma dessas previsões, pois até hoje está para nascer alguém que consegue prever o futuro. Os autores encontraram que apenas 48% das vezes as previsões estavam corretas. Ou seja: fazer uma previsão meia boca, cheia de mistério e muito vaga (“acredito que o mercado vai apresentar uma grande volatilidade nos próximos 3 meses por conta das eleições para presidente”, por exemplo) tem uma chance de acerto ao redor de 50%. É que nem jogar cara ou coroa. Eu, você, sua tia, seus avós, o padeiro da esquina, o taxista do aeroporto, qualquer um de nós podera muito bem fazer previsões e ter um índice de acerto semelhante - se deixassem a gente falar na TV ou aparecer como fonte de informação em jornais ou sites de finanças, é claro.

Quais foram os que mais acertaram as previsões?

- 68% foram corretas para os gurus de curto prazo (justamente as que são menos precisas e mais ainda obra do acaso)

- 28% eram de médio prazo (de 1 a 3 meses)

- Menos de 5% dos gurus de longo prazo (3-9 meses) estavam corretos, ou seja, era melhor nem ter aberto a boca pra falar

Cerca de 2/3 dos gurus acertaram menos da metade das vezes as previsões. O que eu me perguntei quando li esse paper foi: será que eles tiveram acesso aos dados da pesquisa? Devem estar tristes agora, acredito eu, se viram os resultados.

Vamos ver agora, também, para ser justo, quem acertou mais né. Sabem quem foi que acertou mais vezes? Um guru que foi computado no estudo com somente 17 previsões (como é bom falar pouco, não é mesmo?). Ele teve uma acurácia de 79%. Nada mal ein. Mas se lembrarmos que pode ter sido tudo uma grande coincidência – afinal, a amostra foi muito pequena (17 eventos) – vamos voltar a ficar decepcionados com nossos gurus de mercado.

O mercado é um sistema completamente aleatório, amigos, e apesar de ter gente que acha que pode programar o futuro das coisas, isso não pode ser feito, e esse trabalho mostra mais uma vez o quão aleatório é o comportamento dos preços.

O longo prazo desconta tudo, e se você quer saber o que é melhor fazer com seu investimento eu sugiro estudar muito, acreditar em portfolios diversificados, saber o que comprar quando quiser ter uma ação, e usar derivativos para proteger o seu risco e melhorar o seu rendimento.

Se você quer comprar uma ação e não quer saber como a empresa é gerida, o que ela faz ou produz, porque está neste segmento de mercado, quem são os competidores, enfim, se não quiser ser sócio dela efetivamente, vai se dar mal.

Preço é fácil de ver, é só abrir qualquer aplicativo ou site. Valor já é algo que dá muito trabalho para encontrar no mercado. Preço baixo e valor alto, então, mais dificil ainda, pois teoricamente você deveria comprar uma ação somente quando o valor da empresa é muito bom e o preço está abaixo do que esse valor representa no longo prazo.

Estude muito, ou então deixe alguém que estuda muito cuidar do seu dinheiro. Eu não sou gestor de investimento, e preferi estudar por mim mesmo tudo isso. Aliás, dou muito valor a gestores que olham para o mercado com uma visão de longo prazo, e que deixam claro isso para seus clientes.

Dá um trabalho imenso fazer tudo sozinho, mas eu acho que compensa para mim, pois adoro ler e estudar finanças, desde que era médico e também tinha que estudar muito medicina e ortopedua. Se você não tem disposição ou capacidade de aprender algo novo, porém, o melhor caminho a seguir é terceirizar isso com quem sabe.

Não se meta a besta no mercado se você não souber o que está fazendo. Você geralmente vai sair dele rapidamente, e bem pior do que quando entrou.

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Referência: Bailey, David H. and Borwein, Jonathan and Salehipour, Amir and López de Prado, Marcos, Do Financial Gurus Produce Reliable Forecasts? 

Caso queira acessar o artigo completo clique nos seguintes links:

SSRN: https://ssrn.com/abstract=3339657 ou http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.3339657

 

 

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