Insider trading? O pior cego normalmente é aquele que não quer ver

O mundo das opções em ações desperta paixões às vezes doentias. Uns dizem que é uma especulação pura e irresponsável. Outros dizem que é cemitério de malandro. Outros que não adianta o que você faça, mais cedo ou mais tarde você vai perder tudo. Eu vejo opções como um excelente derivativo para você negociar, e que pode te proporcionar uma alacanvagem saudável nos seus investimentos SOMENTE se você fizer isso de forma prudente e pensando na gestão de risco. E é isso que procuro abordar nos meus cursos e outros programas que participo por aí. 

Não é de se espantar que num instrumento de investimento tão controverso assim, vez por outra não apareçam histórias na mídia sobre novos milionários, novos pilantras, que de uma forma ou de outra viram personagens de um enredo sombrio e assustador. E a mídia adora isso, porque vende notícia. Um caso recente, porém, pode virar caso de polícia, e envolveu nada mais nada menos do que as ações da Petrobrás, empresa que tem a maior liquidez em opções na Bovespa.

Todo mundo que acompanha um pouco do mercado financeiro ficou sabendo da derrubada brutal no preço do papel (quase 30% em menos de uma semana) quando Bolsonaro anunciou que o presidente da empresa seria demitido. Não vou entrar muito no detalhe político, mas não precisa ser nenhum gênio para imaginar que isso não seria bom para as ações. Elas iriam cair, e cair provavelmente muito depois deste anúncio.

Existem dois detalhes importantes nessa história:

1. Uma decisão como essa não é tomada NAQUELE instante em que estamos lendo a notícia nos jornais.

2. No mundo das opções você pode ganhar MUITO dinheiro quando uma ação cai forte, e você estava posicionado comprado em puts.

Porque eu misturei as opções com a tomada de decisões? Vejam como os detalhes ao redor deste evento estão intrinsicamente ligados.

Após passada a comunicação da demissão do presidente da Petrobrás, algumas pessoas foram olhar os negócios nas opções da empresa e encontraram trades que chamaram a atenção pois foram em uma quantidade bem grande. O contrato de opção de venda (put) que chamou a atenção era no strike R$ 26,50 e foi negociado na quinta-feira (18 de março), pregão em que a ação fechou cotada a R$ 29,27. O contrato vencia na segunda (22 de março), e dava o direito de vender a ação a R$ 26,50 - esse é o chamado strike, preço que o contrato pode ser negociado se for exercido.

Como acontece com toda put comprada, a operação só seria lucrativa se a ação estivesse sendo negociada abaixo de R$ 26,50 no dia 22, o que representaria uma queda de 9,50% em relação à cotação do dia 18. Até ai, tudo bem né. Muita coisa ruim pode acontecer com as empresas, e esse "trader" achou que MUITA coisa ruim poderia acontecer.

Os primeiros sinais de perigo com a empresa vieram apenas após o fechamento do pregão naquela quinta, na famosa live do presidente Bolsonaro. Críticas ao presidente da estatal, Roberto Castello Branco, não faltaram, e ele disse que faria mudanças na companhia. Já nos negócios de sexta, dia 19, os papéis caíam abaixo de R$ 27,40 e na segunda (22), após Bolsonaro anunciar a troca no comando da Petrobras (que foi feita na sexta, após o fechamento do mercado, ou seja, sem a menor condição de ninguém mais entrar nos negócios de opções), elas foram para R$ 21,45 (PETR4), uma queda de 26,7% em relação ao fechamento de quinta-feira.

Gráfico diário mostrando os preços da PETR4 de janeiro a março de 2021

Mas vamos às opções de venda (as famosas puts) que foram negociadas. Por não parecer ser uma operação lucrativa no dia 18, os contratos de opções de vendas de ações da Petrobras a R$ 26,50 eram negociados a apenas R$ 0,04. Uma barganha, não é mesmo? E faz todo sentido. Para ter lucro, qualquer trader que comprasse isso deveria torcer para o papel desabar. E muito.

De acordo com a B3, foram realizadas duas grandes compras deste contrato de put no dia 18. Uma às 17h35, de 2,6 milhões de opções, totalizando R$ 104 mil. Outra, às 17h44, de 1,4 milhões de opções, que somaram R$ 56 mil. Vejam que esse trader não brincou em serviço: ele tinha MUITA convicção que os preços poderiam cair mais de 10% nos dias seguintes a essa compra. Afinal, ele comprou 4 milhões de opções, e gastou um total de 160 mil reais. E não adiantava nada cair, por exemplo, 50%, se isso fosse no dia 23, 24 ou 25 de fevereiro, pois seu contrato vencia na segunda. Esse trader tinha convicção que a Petrobrás ia desabar de preço e até segunda feira (2 pregões, no máximo, depois da sua aposta). Outro ponto importante que não vou abordar aqui: quem é que vendeu 4 milhões de opções para esse trader, já que no mercado só tem compra se tem venda? Isso não é um volume normal de negociação a poucos dias de um contrato vencer. Mas deixemos isso pra lá. 

Um pouco antes, das 16h45 às 17h15 naquele dia, Bolsonaro esteve reunido com os ministros Braga Netto (Casa Civil) Paulo Guedes (Economia), Tarcísio Gomes de Freitas (Infraestrutura), Bento Albuquerque, (Estado de Minas e Energia), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional). Vale lembrar que o pregão se encerra 18h30 diariamente. A live de Bolsonaro com menção à Petrobras naquela quinta teve início às 19h02.

Participantes do mercado ouvidos por uma reportagem publicada no site Yahoo no dia 03 de março preferem comentar em sigilo, por se tratar de um possível crime, mas todos dizem estar óbvio se tratar de insider trading, já que a troca no comando da Petrobras não era uma informação pública durante o pregão do dia 18. Insider trading é o uso de informações privilegiadas para a obtenção de ganhos no mercado financeiro. Considerando o preço de fechamento da ação no dia 22, de R$ 21,45, a compra de 4 milhões de ações custaria R$ 85,8 milhões. Com o custo de R$ 160 mil das opções, o valor total da operação totalizaria R$ 85,96 milhões. Vendê-las a R$ 26,50 daria R$ 106 milhões, gerando um lucro de R$ 20 milhões.

Não é possível saber quanto o investidor lucrou ao certo. A quantidade e o valor de opções de venda exercidas não foram disponibilizadas pela B3. Por sigilo bancário, também não é possível ter mais informações sobre quem fez esse trade. Por meio de sua assessoria, a CVM disse a reportagem da Yahoo que acompanha e analisa informações e movimentações envolvendo companhias abertas, tomando as medidas cabíveis, sempre que necessário e que não comenta casos específicos.

Ainda completa a reportagem: "O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e a deputada federal Tabata Amaral (PDT-SP) encaminharam nesta terça um ofício ao presidente da CVM , Marcelo Barbosa, solicitando a abertura de um inquérito administrativo para apurar possível uso de informação privilegiada na negociação de ações da Petrobras. "Há relatos reproduzidos por respeitáveis veículos de imprensa no sentido de que o lucro obtido com a circulação de valores mobiliários daquela com companhia mediante o uso de referidas informações pode ter chegado a R$ 18 milhões", afirma o ofício. Os dois parlamentares também pede punição "com o rigor da lei" os eventuais responsáveis. "Uma movimentação tão atípica e lucrativa merece apuração detalhada, se não para punir eventual fraude, que seja para homenagear esse gênio das finanças", afirmou à reportagem Alessandro Vieira."

Tudo tem que ser investigado sim, e não podemos acusar ninguém antes de que possa se provar isso. Mas Bolsonaro já soltou o verbo, falando que "mafiosozinhos" se aproveitaram da decisão dele e que ele não disse nada pra ninguém. Mas quem é que disse que somente ele poderia fazer isso? Tem muita gente que ouve coisas pelas paredes em Brasilia. Isso está cheirando muito mal, muito mal mesmo, e o timing foi muito ajustado. Poucas pessoas apostariam quase 200 mil reais numa put tão fora do dinheiro assim. E ainda mais tão perto do vencimento. Claro que pode ter sido um trader que deu muita sorte, mas quando eu lembro de sorte lembro que um politico no passado já justificou que tinha milhões por conta de ganhar mais de 500 vezes na loteria. Pode? Claro que pode, mas é matematicamente próximo do impossível. 

Um último dado: o trade foi feito na corretora Tullett Prebon Brasil que por uma destas coincidências da vida em 2011 adquiriu a Convenção S/A, uma corretora no Brasil que foi fundada por Eduardo da Rocha Azevedo, ex-presidente da Bolsa de São Paulo (Bovespa) e fundador e ex-presidente da Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F).

Para quem é mais novo no mercado, vale lembrar que em outubro de 1997, há 24 anos, o juiz Guilherme Calmon Nogueira da Gama, da 25ª Vara Federal no Rio, condenou o ex-megainvestidor Naji Robert Nahas a 24 anos e oito meses de prisão, mais multa, por crimes contra a economia popular e o sistema financeiro. Neste mesmo processo um ex-presidente da Bovespa seria condenado a 9 anos de prisão: o mesmo Eduardo da Rocha Azevedo. Em 2004 Najas seria inocentado depois de recorrer neste processo, e após isso acusou Eduardo Rocha Azevedo de ter orquestrado a sua derrubada. Quanta coincidência, não é mesmo?

O tempo poderá dizer se houve ou não esse crime, e isso ainda vai dar muito pano pra manga. Vamos acompanhar de perto.

 

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