O Plaza Accord foi um acordo conjunto, assinado em 22 de setembro de 1985, no Hotel Plaza, em Nova York, entre França, Alemanha Ocidental, Japão, Estados Unidos e Reino Unido, para depreciar o dólar em relação ao iene japonês e o marco alemão, intervindo nos mercados de câmbio. Se você nunca ouviu falar do Plaza Accord, ou ouviu falar mas não lembra muito bem do que se trata vale a pena ler esse artigo. Precisamos, porém, lembrar de alguns contextos históricos para que tudo faça sentido na associação deste artigo com o momento atual que estamos vivendo na economia mundial
Para entender o Plaza Accord, é preciso olhar para 15 de agosto de 1971. Naquele dia, o presidente dos EUA Richard Nixon fechou a janela para o ouro. Este passo de fato pôs fim ao sistema de Bretton Woods, que havia sido criado em 1944 nesta cidade do estado de New Hampshire e foi formalmente encerrado em 1973. A era da moeda lastreada em ouro estava verdadeiramente terminada, e a era das taxas de câmbio flexíveis havia começado. Sem uma âncora de ouro, a taxa de câmbio de cada par de moedas deveria ser impulsionada exclusivamente pela oferta e demanda.
Os bancos centrais nacionais - e indiretamente também os governos - tiveram a liberdade de tomar suas próprias decisões, livres das rígidas restrições impostas por um padrão-ouro, mas tiveram que arcar com os custos de suas decisões na forma de desvalorização ou valorização de suas moedas. Enquanto uma moeda lastreada em ouro visa impor disciplina às nações, um sistema de taxas de câmbio flexíveis permite que as idiossincrasias nacionais sejam preservadas, com a taxa de câmbio servindo como um mecanismo de equilíbrio.
No entanto, diferente de qualquer outro sistema monetário, o sistema de moedas e câmbio flutuantes convida os governos e os bancos centrais a manipular as taxas de câmbio praticamente à vontade. Sem acordos recíprocos, que podem fornecer segurança de planejamento às empresas orientadas para a exportação, em particular, o perigo do caos internacional é muito alto, pois o sistema de taxas de câmbio flexíveis não tem uma âncora externa.
Para evitar esse caos - uma possível repetição da espiral de desvalorização traumática da década de 1930 - e a desintegração resultante da economia global, os países membros do FMI concordaram em 1976, em uma reunião em Kingston, Jamaica, que a taxa de câmbio deveria ser economicamente justificada (nesses encontros palavras bonitas e frases confusas são a norma).
Os países deveriam evitar a manipulação das taxas de câmbio, a fim de evitar a necessidade de regular a balança de pagamentos ou obter uma vantagem competitiva injusta. "(ref.1 - “The Specificity of the Jamaica Monetary System”, ebrary.net; see also article IV (iii) of the “Articles of Agreement of the International Monetary Fund”.) E nesse espírito multilateral - ainda que sob uma iniciativa dos EUA, fortemente manchada pelo interesse próprio - um acordo foi firmado. Nove anos depois, entrou nos livros de história da economia como o Plaza Accord.
Excessos macroeconômicos na década de 1980
Na primeira metade da década de 1980, o dólar americano se valorizou significativamente em relação às moedas mais importantes. Em cinco anos, o dólar subiu cerca de 150% em relação ao franco francês, quase 100% em relação ao marco alemão e intermitentemente 34,2% em relação ao iene (desde a baixa de janeiro de 1981).
A apreciação significativa do dólar dos EUA refletiu-se, obviamente, no Índice do Dólar dos EUA, que consiste nas moedas dos mais importantes parceiros comerciais dos EUA ponderadas de acordo com sua participação no comércio com os EUA. Além disso, o gráfico a seguir mostra as taxas de câmbio em termos reais - ou seja, leva em consideração os níveis de preços, que podem variar substancialmente em alguns casos.
Gráfico do DXY mostrando a data do Plaza Accord (linha tracejada vermelha) e sua influência na queda do dolar em comparação com outras moedas (Fonte: Fed St Louis website)
De uma baixa intermediária de 87,7 em julho de 1980, o índice subiu cerca de 50%, para 131,6 em março de 1985. Não é de surpreender que o saldo em conta corrente dos EUA tenha se deteriorado significativamente na primeira metade da década de 1980 como resultado desse substancial rali do dólar. Veja isso no gráfico a seguir.
Saldo da conta corrente, EUA, Alemanha, França, Reino Unido, Japão, em% do PIB, 1980–1989 (Fonte: Banco Mundial, Quandl, Incrementum AG)
Em 1980 e 1981, os EUA ainda registravam um superávit moderado, mas em 1985 esse superávit havia se transformado em um déficit de 2,9%. A tendência na Alemanha e no Japão era quase uma imagem espelhada perfeita. Enquanto os dois países exportadores tiveram déficits em conta corrente de 1,7% e 1,0% em 1980, seus saldos em conta corrente se tornaram positivos em 1981 e 1982, respectivamente. Em 1985, eles já registravam superávits de 2,5% e 3,6%. O superávit em conta corrente da Alemanha, em particular, cresceu ainda mais nos anos seguintes.
O Plaza Accord
Representantes dos EUA, Alemanha, Japão, França e Grã-Bretanha, também conhecidos como os países do G5, se reuniram em setembro de 1985 no Plaza Hotel em Nova York, sob a liderança do secretário do Tesouro dos EUA, James Baker, a fim de coordenar suas políticas econômicas. Seu objetivo declarado era reduzir o déficit em conta corrente dos EUA, que eles planejavam realizar enfraquecendo o dólar que estava supervalorizado. Além disso, os EUA imploraram à Alemanha e ao Japão fortalecer a demanda doméstica, expandindo seus déficits orçamentários, o que deveria estimular as exportações dos EUA.
No Plaza Accord as cinco nações signatárias concordaram em cooperar mais estreitamente quando a cooperação fizesse sentido. O critério citado para a adoção de uma abordagem conjunta foi o "desvio das condições econômicas fundamentais". As intervenções no mercado de câmbio deveriam ser conduzidas com o objetivo de combater os desequilíbrios em conta corrente. No curto prazo, a meta era uma desvalorização de 10% a 12% do dólar americano em relação ao seu nível de setembro de 1985.
O resultado imediato do acordo foi o desejado. Uma semana após a assinatura do Plaza Accord, o iene japonês ganhou 11,8% em relação ao dólar, enquanto o marco alemão e o franco francês aumentaram 7,8% cada, e a libra esterlina 2,8%. No entanto, a velocidade do ajuste nos mercados de câmbio continuou a mesma de antes do Plaza Accord, como mostra claramente o gráfico a seguir.
Saldos em conta corrente dos EUA, Alemanha, França, Grã-Bretanha, Japão, China, em% do PIB, 2010-2017 (Fonte: Banco Mundial)
No entanto, os gráficos também mostram claramente que a depreciação do dólar já havia começado vários meses antes da conclusão do acordo oficial no coração de Manhattan. O índice do dólar atingiu seu pico em março de 1985, ou seja, meio ano antes do Plaza Accord.
Será que o Plaza Accord 2.0 está a caminho?
Algumas pessoas propõem a criação de uma nova versão do Plaza Accord, ou seja, um acordo multilateral que inclua, entre outras coisas, a intervenção coordenada nos mercados de câmbio.
Os proponentes e defensores de um Plaza Accord 2.0 apontam para a valorização do dólar norte-americano em quase 40% (particularmente nos anos de 2011 a 2016) e as grandes diferenças entre os saldos em conta corrente dos principais países desenvolvidos. No entanto, esse acordo representaria um novo ponto de virada na política monetária internacional. Afinal, em 2013 o G8 concordou em abster-se de intervenções cambiais - em uma espécie de Acordo Anti-Plaza. O gráfico a seguir ilustra a apreciação significativa do dólar nos últimos anos.
Fonte: koyfin.com / DocTrader.Net
E, como aconteceu há trinta anos, os EUA têm um déficit em conta corrente significativo e persistente, enquanto a Alemanha, o Japão - e atualmente também a China - têm superávits significativos. O superávit da Alemanha, que atingiu quase 9% de forma intermitente, é particularmente impressionante.
Saldos em conta corrente dos EUA, Alemanha, França, Grã-Bretanha, Japão, China, em% do PIB, 2010-2017
Fonte: Banco Mundial, Quandl, Incrementum AG
Muito antes de Donald Trump ponderar sobre a questão, o Tesouro dos EUA - que é o responsável pelo valor externo do dólar - enfatizou repetidamente que o dólar era muito forte, especialmente em comparação com o renminbi. Em várias oportunidades os EUA acusaram a China, o Japão e a zona do euro de manter suas moedas em níveis artificialmente baixos para apoiar suas indústrias de exportação.(veja “U.S. tensions rise over China’s currency policy”, CNN, October 7, 2011; “U.S. declines to name China currency manipulator”, Reuters, November 27, 2012). O fato de Donald Trump ter usado o termo manipulação em um tweet no ano de 2018 foi uma surpresa, pois os EUA não usam esse termo oficialmente desde 1994. mas todos sabemos que Trump não se preocupa muito com as repercussões de seus Twitts, não é mesmo?
De qualquer forma, um ajuste tão significativo nas taxas de câmbio teria que ser implementado gradualmente, senão o risco de criar mais distorções seria muito grande. Um ajuste abrupto das taxas pode resultar, por exemplo, em um aumento significativo no ritmo da inflação nos EUA e / ou um colapso dos setores de exportação de países cujas moedas forma apreciadas nos últimos anos.
Porém, como as taxas de câmbio - pelo menos no médio e longo prazo - são determinadas principalmente pelos fundamentos, elas podem mudar substancialmente apenas se as condições macroeconômicas subjacentes mudarem (diferenciais reais da taxa de juros, saldos comerciais e em conta corrente, clima de investimento e saldos orçamentários).
O sistema monetário está sendo testado no seu limite, na forma como conhecemos as politicas monetárias tradicionais. Seria até adequado ter um Plazza Accord 2.0, mas não podemos ter certeza de que a reestruturação do sistema interessa aos outros paises que dominam as maiores economias (além dos EUA). Fica difícil pensar que neste momento, principalmente por conta do que estamos ouvindo sobre o Covid19 e uma possível desinformação vinda da China sobre as causas da pandemia, que esses paises sentariam novamente num hotel em NY para discutir um acordo amigável para desvalorizar o dolar. Mas, como tudo é possível no mundo da política, resta esperarmos para ver o que pode acontecer.
Talvez o caminho seja por meio do petróleo, mas isso é assunto para outro artigo.