Banco Central do Japão já é dono de 80% dos ETFs

Todos que acompanham o mercado se assustam quando a bolsa desaba. Quem está nele há mais tempo já sabe qual vem sendo a receita dos governos e burocratas centralizadores de poder: injeção de liquidez e intervenção a qualquer custo.

Alguns paises são mais intervencionistas, outros menos, e vez por outra nos deparamos com o que chamamos de 'políticas montetárias não convencionais', uma bela expressão que significa, no portuguuês mais claro, soltar grana na praça para comprar o que for necessário para a coisa não piorar ainda mais.

O problema é que as tais políticas monetárias não convencionais em alguns lugares, como no Japão por exemplo, estão passando de todos os limites do razoável. Haruhiko Kuroda, o presidente do BOJ (Bank of Japan - o banco central do pais do Sol nascente) e seus discípulos foram muito além da manipulação das taxas de juros e da compra dos títulos do governo para estabilizar a economia e, desde 2013, também aumentaram suas compras para englobrar ações. Isso mesmo, você não entendeu errado: há mais de 7 anos o BOJ é um dos maiores compradores de ações do mercado financeiro por lá.

Especificamente, o BOJ adotou uma abordagem pouco usual na compra de um produto muito usado no mercado financeiro: os ETFs (Exchange-traded Funds, ou fundo de ações negociados em bolsa). Jesper Koll, consultor da WisdomTree (um emissor de ETFs) e especialista em Japão com cerca de quatro décadas de experiência, foi claro ao dizer que "o BOJ fez da ETF parte de sua bazuca", estendendo a este produto as suas ações para aumentar a liquidez no mercado.

Será então que isso ajuda os fornecedores de ETFs no mercado japonês? Bem, infelizmente não é bem assim - e nem sempre é possível a coisa acabar bem, pois o BOJ tem que conseguir encontrar uma maneira de diminuir sua posição comprada de maneira ordenada, fazendo com que seja possível que alguns players comprem os seus ETFs. E isso pode ser um problema ainda maior no futuro - afinal, o BOJ não tem como ficar com 100% dos produtos, não é mesmo?.

Como isso chegou até esse ponto?

Nos sete anos desde que o BOJ iniciou seu próprio programa de QE as participações atingiram um nível fenomenal. Quantitative easing (QE) é uma política monetária pela qual um banco central compra quantidades pré-determinadas de títulos do governo ou outros ativos financeiros para adicionar dinheiro diretamente à economia.

De acordo com o relatório de fluxo de fundos do BOJ para o terceiro trimestre de 2019, o banco possuia cerca de 8% de todo o mercado acionário japonês, principalmente através do atual programa de compra de ETF.

Já que temos muito, vamos emprestar

Mais recentemente, o Japão anunciou que começará a emprestar ações de fundos negociados em bolsa para corretoras no início da primavera de 2020, procurando restaurar parte da liquidez drenada do mercado por meio de seu massivo programa de flexibilização monetária.

O banco central começou a considerar os empréstimos de ETF em abril como parte de um plano para melhorar a sustentabilidade de sua compra de ativos, o que distorceu os mercados.

As participações em ETF do banco no Japão totalizavam 28,9 trilhões de ienes (US $ 266 bilhões) em 31 de março, representando quase 80% de todo o mercado. O BOJ está no caminho do topo do Fundo de Investimento em Pensões do Governo do Japão como principal detentor de ações listadas em Tóquio já no próximo ano.

Além de melhorar o comércio para investidores de varejo, mais liquidez também facilitaria ao banco central realizar suas próprias compras de ETF, além de compensar alguns dos custos por meio de taxas de empréstimo. Mas...isso viraria um ciclo vicioso, dificil de terminar com um final feliz.

Para você ter uma idéia a que ponto absurdo isso chegou: o domínio do BOJ no mercado japonês de ETFs é tão grande que os únicos fundos que provaram ser bem-sucedidos são exatamente aqueles que o banco compra, que são os fundos de índice domésticos do Nikkei 225 e o JPX-Nikkei 400 (compras mais recentes do BOJ).

Em resposta a esse domínio do mercado, o BOJ introduziu um mecanismo de empréstimo em dezembro de 2019, como parte de uma medida de flexibilização monetária contínua, juntamente com o estabelecimento de um conjunto de regras "especiais" para empréstimos com ETF.

Então, agora devemos nos perguntar: como o BOJ pode sair do mercado de ETFs sem prejudicar o mercado de ações? Tal como está, o mercado tornou-se tão viciado quanto qualquer outro tipo de vicio, ou seja, só se satisfaz se a dose for aumentada, ou seja, se continuarem a existir essas compras do BOJ. Assim que houver uma queda no mercado de ações de mais de 0,5%, por exemplo, pode ter certeza que por lá vai estar um comprador incansável, e será o mesmo que imprimi a moeda por la: o BOJ. Será que ainda podemos falar que o mercado é livre no Japão? Tenho muitas dúvidas sobre isso.

O recente abrandamento na compra de ETF que foi registrado no início de 2020 pode ser uma tentativa de encerrar esse ciclo de dependência, mas não faz nada sobre o enorme excesso de ETF já construído. Ainda aguardamos os dados sobre as últimas semanas de crise, que virão logo, e eu aposto que veremos um BOJ bem bonzinho quando o assunto é compra de ativos por lá.

Não podemos dizer que essa escolha sempre foi errada por parte do BOJ. Devemos lembrar que o Japão estava em uma crise complexa: havia um governo incompetente antes do primeiro-ministro Shinzo Abe assumir em 2012, e o Japão poderia afundar em outra geração perdida com economia deflacionária.

Foi a decisão correta a ser tomada, segundo a maior parte dos especialistas no assunto, mas o problema é que você precisa parar de agir assim no minuto em que estiver fora da situação emergencial. Quando a economia começou a se mexer um pouco isso deveria ser encerrado, e não foi. Teria sido mais fácil sair dessa arapuca de liquidez se eles tivessem parado a compra mais cedo, mas como todo bom político, o governo acostumou com a festa, e não parou mais de imprimir dinheiro e comprar produtos no mercado de ações, inflando artificialmente o preço dos ativos.

Uma das poucas formas de resolver esse problema seria incentivar o público japonês a adotar mais os ETFs nos seus portfólios de investimento, um objetivo que pode ser alcançado com o incentivo de fazer qualquer compra desses ETFs ser livre de imposto sobre herança, por exemplo (que são uma carga pesada de imposto para o povo japonês. Mas em tempos como os de hoje, onde a população guarda cédulas de dinheiro fisicamente, em grandes cofres, vai ser difícil o governo conseguir ditar essa norma. Não vai ser fácil o Japão sair dessa arapuca em que se meteu, meus amigos e minhas amigas.

 

 

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